Esgotos continuam a ser lançados na bacia do Sado sem tratamento

Tribunal de Justiça da União Europeia já condenou Portugal em 2016 por “não cumprir as obrigações que lhe incumbem” no tratamento de águas residuais urbanas.

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ETAR das Ermidas do Sado não funciona há anos DR
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Esgotos da Comporta vão directamente para o rio DR
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Como se já não bastasse a bacia do Sado ser uma das mais afectadas pela seca, a pouca água existente ainda acolhe esgotos domésticos e industriais lançados nos vários cursos de água sem qualquer tratamento. 

Uma das situações mais graves persiste na periferia de Ermidas do Sado, freguesia do concelho de Santiago do Cacém, com mais de 2 mil habitantes. A ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais) que deveria tratar os efluentes domésticos não funciona há vários anos e as descargas com dejectos e outro tipo de resíduos urbanos e industriais correm na ribeira que contorna a localidade e conflui com o rio Sado, a cerca de dois quilómetros de distância.

Informações a que o PÚBLICO teve acesso confirmam que a empresa Águas Públicas do Alentejo (Apda) considera de “extrema pertinência a remodelação da ETAR”, frisando que o equipamento apresenta “graves problemas estruturais que impedem o cumprimento do normativo legal em vigor” sobre tratamento e descarga de águas residuais urbanas. A Apda já se comprometeu a “diligenciar” para que em 2018 possa ser construída uma nova ETAR.

Por sua vez, a Câmara de Santiago do Cacém efectuou recentemente uma acção inspectiva à ETAR desactivada e confirmou a existência de “ligações ilegais à rede pública de águas pluviais com origem na zona industrial de Ermidas do Sado”.

Também já foi registada a morte de bovinos e houve casos em que estes animais apresentaram patologias gastro-intestinais depois de beberem esgotos contaminados que são descarregados a montante da estação elevatória que capta água do rio Sado para um canal que se prolonga por cerca de 30 quilómetros até à barragem de Morgavel. A partir da sua albufeira, que armazena 32,5 hectómetros cúbicos, é assegurado o abastecimento da zona industrial de Sines.   

Noutro ponto, mais a norte da bacia hidrográfica do Sado, há décadas que os esgotos produzidos por cerca de 2500 residentes na freguesia da Comporta, concelho de Alcácer do Sal, são lançados no estuário do rio sem qualquer tratamento. 

A Quercus, consciente dos impactos provocados por anos de descargas de esgotos sem tratamento, disse ao PÚBLICO ter exercido “pressões” junto da câmara de Alcácer do Sal, Águas Públicas do Alentejo e Agência Portuguesa do Ambiente, reclamando a construção de uma ETAR naquela localidade. Mas estes esforços “mostraram-se infrutíferos”, lamenta a organização ambientalista.

No decorrer do Conselho Nacional da Água, realizado em Dezembro de 2016, os representantes da Confederação Portuguesa de Associações de Defesa do Ambiente apresentaram ao ministro do Ambiente, Matos Fernandes, a situação dos esgotos não tratados na Comporta, frisando que a construção de uma ETAR naquela freguesia não “estava contemplada” no Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR). Decorridos oito meses, foi finalmente publicado em Diário da República o concurso público da empreitada de concepção e construção desta estação de tratamento, uma empreitada que irá custar 1,35 milhões de euros e que terá um prazo de execução de um ano, acrescido de igual período de tempo para a fase de arranque da instalação.

O efluente tratado terá como destino final a sua infiltração no solo “para evitar qualquer descarga no sensível meio receptor constituído pelo estuário do Sado e, em particular, pelo sapal da Carrasqueira e do Esteiro Novo”, explicou ao PÚBLICO João Silva Costa, administrador das Apda.

Contudo, as deficiências nas ETAR dos concelhos da bacia do Sado que estão sob gestão da Apda, não se circunscrevem apenas às situações retratadas. Numa queixa apresentada, em 2015, pela Quercus nas instâncias europeias são apontadas 44 ETAR distribuídas por todo o país que não garantiam o tratamento adequado das águas residuais urbanas.

No acórdão tornado público a 22 de Junho de 2016 sobre esta matéria, o Tribunal de Justiça da União Europeia condenou Portugal a pagar uma multa de três milhões de euros, acrescida de uma sanção pecuniária compulsória de 8000 euros por cada dia de atraso no cumprimento das regras comunitárias impostas no tratamento de águas residuais urbanas.

Marques Ferreira, presidente do conselho de administração da Apda, adiantou ao PÚBLICO que metade das ETAR sancionadas pelo Tribunal de Justiça está localizada em concelhos da bacia do Sado. “Estão por remodelar apenas sete”, referiu. O problema agrava-se quando se analisa a situação das 110 estações de tratamento sob gestão da Apda. Falta remodelar 40 e construir 30 novas ETAR.

Acresce ainda uma outra situação anómala. A Quercus refere que “existem estações de tratamento a funcionar que, embora cumpram estruturalmente com o estabelecido na Directiva [comunitária], não cumprem com os parâmetros de descarga exigidos”. Esta situação passa-se porque “o Estado Português não fiscaliza as descargas das estações de tratamento de efluentes, limitando-se a exigir o auto-controlo, confiando cegamente nos valores que lhe são enviados pelas entidades gestoras dos sistemas que tantas vezes são obtidos sem respeito pelos procedimentos técnicos que regem a sua recolha”.

Um exemplo: O relatório ambiental elaborado no âmbito da revisão do Plano Director Municipal de Santiago do Cacém, apresentado em 2015, refere que “as redes de drenagem do concelho que conduzem as águas residuais para as instalações de tratamento são muitas delas obsoletas, com um funcionamento precário derivado de não serem objecto de operação e manutenção eficazes”. E continua: “Algumas das ETAR existentes não têm as suas descargas licenciadas. Das 13 ETAR para as quais foram fornecidos valores limite de emissão, apenas uma cumpria os limites estabelecidos”.

De referir que a Apda só é responsável pelas ETAR que servem mais de 300 habitantes. Um problema sublinhado pela Quercus, que aponta que “muitos aglomerados em zonas sensíveis não cumprem com os parâmetros de descarga, verificando-se nalguns casos que nem estações de tratamento existem”.

João Branco, presidente da Quercus, destacou a necessidade de “melhorar” a qualidade de tratamento das ETAR, frisando que “muitas vezes não estão dimensionadas para o volume de efluentes que são lá lançados”. A situação “agrava-se” em períodos de seca, prossegue o ambientalista, destacando a importância da diluição da carga poluente nas massas de água “quando elas existem, o que não é o caso [actual] da bacia do Sado”, acentua.

Em resposta às questões do PÚBLICO sobre o actual estado da rede de estações de tratamento de águas residuais, Marques Ferreira reconheceu que a Apda tem em mãos “uma tarefa muito complexa”. O responsável evitoou entrar em pormenores sobre a situação que encontrou quando foi celebrado, em 2009, o Contrato de Parceria Pública entre o Estado Português e 21 municípios alentejanos.     

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