A popularidade do PS deve-se à "geringonça"?

Está a criar-se a narrativa de que a coligação da "geringonça" é o seguro de vida de uma governação popular do PS.

Em entrevista ao jornal i, João Galamba assumiu que “é melhor para os socialistas não terem maioria absoluta nas próximas legislativas”. No seguimento destas afirmações, vários comentadores — Bruno Faria Lopes, Aguiar-Conraria e Ana Sá Lopes — escreveram sobre o assunto, explicando por um lado que a valia da aliança com o BE e o PCP é a paz social e a estabilidade política mas salientando também que essa aliança tem custos, nomeadamente em reformas que ficam por fazer. Ou seja, mesmo estes comentadores, embora criticando a falta de ambição maioritária, dão razão a João Galamba — há grandes vantagens em manter a coligação da "geringonça". Está assim a criar-se uma narrativa, alimentada por esquerda e direita igualmente, que a coligação da "geringonça" é o seguro de vida de uma governação popular do PS. 

Mas não é verdade. Apercebemo-nos disso se olharmos para a tendência de evolução das intenções de voto nas sondagens. Esta não corrobora essa narrativa, que valoriza altamente o valor político do BE e PCP aos olhos do PS. Senão vejamos: no último ano, nem o BE nem o PCP sobem nas sondagens, ambos ficando aquém da barreira dos 10% de intenção de voto dos portugueses. Pelo contrário, as mudanças ocorrem essencialmente entre o eleitorado centrista com o declínio das intenções de voto no PSD e o aumento das intenções de voto no PS.

Estes votantes centristas que têm abandonado o PSD e agora mostram intenção de votar no PS fazem-no por causa das reversões deste Governo que o Bloco e o PCP defendem como “suas” conquistas? Ou por causa da estabilidade política da "geringonça" ou da paz social? Claro que não.

O que aconteceu foi que ao longo dos últimos dois anos, o Governo de Costa e de Centeno conseguiu ganhar a confiança daqueles portugueses que normalmente oscilam entre PSD e PS, cativando votantes que haviam escolhido Passos Coelho em 2015. Como é que isto aconteceu então? Foi Costa — com Centeno — que conseguiu mostrar que este Governo era tão capaz como um governo de direita de manter as contas equilibradas, de cumprir os compromissos com o euro e — talvez o mais surpreendente — de produzir crescimento sustentado do PIB. Nem o Bloco nem o PCP pensavam que seria possível crescer desta forma no quadro do euro.

Essencialmente, a mudança do último ano que levou à paz social e confiança dos consumidores deve-se ao facto de que “o diabo que aí vinha” não chegou, e as pessoas, ao se aperceberem disso, foram dando razão a Costa. Foi o erro de previsão de Passos Coelho que vindicou a estratégia do primeiro-ministro e do ministro das Finanças. Daí o PS subir nas sondagens à custa do PSD, mas o Bloco de Esquerda e o PCP ficarem exactamente na mesma.

Aliás, se quisermos identificar o contributo político mais importante para a consolidação da confiança em Costa, temo-lo não à esquerda, mas à direita. É o Presidente Marcelo que tem sido um importantíssimo factor na aproximação dos votantes centristas (ex-PSD) a este Governo. Com o seu apoio sistemático a Costa, Marcelo tem sido o maior aliado do PS. Veremos o que acontece depois das autárquicas, mas até agora Marcelo só tem enterrado Passos Coelho, que está — naturalmente — furioso com o Chefe de Estado.

Por que é que Costa alimenta a narrativa vinda da esquerda do PS de que governar em "geringonça" é melhor para os socialistas? Por um lado, é evidente que esta aliança inédita em democracia permitiu incluir no arco da governação partidos até então excluídos. Mais importante do que isso, no entanto, é que num período de elevadíssima compressão de políticas devido à europeização, a "geringonça" dá a Costa a capa de esquerdista que lhe permite governar à direita sem sofrer uma “pasokização”. Tanto simbolicamente como no dia-a-dia, essa capa é pois muito útil. Mas daí a comprar a narrativa de que só se governa bem com a "geringonça" vai alguma distância. De facto, se o fizer, o PS estará a colocar os louros da paz social e da estabilidade política no altar errado.

A evolução das sondagens demonstra que a popularidade do PS depende sobretudo do sucesso da gestão macroeconómica no quadro do euro, acompanhada pelo apoio indefectível do Presidente. Isso deveria orientar Costa na gestão do Orçamento para 2018. E mais além.

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição.

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