“Uma empresa como a Somague não pode desaparecer de repente”

Administração vai pedir reunião com Ministério do Trabalho. Sindicato dos Trabalhadores teme que empresa esteja preocupada em passar os activos para a banca e não acautele o direito dos trabalhadores.

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LUSA/ESTELA SILVA

A administração da Somague acatou a sugestão do Sindicato da Construção de Portugal e vai solicitar uma reunião com o ministro do Trabalho para expor a frágil situação financeira da empresa. Esta foi a conclusão possível da audiência mantida esta quinta-feira entre administração e sindicato, e que foi posteriormente comunicada aos trabalhadores reunidos em plenário.

O presidente do Sindicato da Construção, Albano Ribeiro, diz que entrou preocupado na reunião. “Por causa dos quase 700 trabalhadores que a empresa tem em Portugal, e a maior parte deles em casa sem trabalho. Por causa dos salários em atraso que, curiosamente, apenas na véspera desta reunião conseguiram regularizar. E por sabermos que a Sacyr [empresa espanhola, dona da Somague] está a discutir um plano de reestruturação que ainda ninguém conhece”, explica, em declarações ao PÚBLICO. E acrescenta: “no final desta reunião, saio ainda mais preocupado”. “Não digo isto de ânimo leve”, limitou-se a dizer Albano Ribeiro, “uma empresa como a Somague não pode desaparecer de repente”. Por parte da administração da Somague não houve comentários.

Na passada segunda-feira o Jornal de Negócios explicava que a Somague estava a analisar uma nova redução da sua estrutura, isto quando em 2015 já havia efectuado um despedimento colectivo de mais de 270 trabalhadores. “Nessa altura, todos os trabalhadores receberam os seus direitos. O nosso receio é que agora a Sacyr só esteja preocupada em resolver os seus problemas com a banca, esteja a passar para lá activos, e depois os trabalhadores fiquem descalços”, acrescentou o presidente do sindicato.

Em Outubro de 2015, recorde-se, a Somague avançou publicamente com a necessidade de proceder ao despedimento colectivo de 273 trabalhadores, na altura cerca de 14% de um universo de 2000 colaboradores. 

Albano Ribeiro afirmou que a administração da empresa ainda não explicou aos trabalhadores qual é o seu plano de reestruturação, apesar de já ter arrancado com algumas medidas, nomeadamente a suspensão de seguros de saúde e de vida que tinha subscrito para os seus trabalhadores. “Alertamos para o facto de ocorrerem algumas situações em que os trabalhadores estavam a fazer fisioterapia e tratamentos e que tiveram que os suspender. Isto não é aceitável”, acusou o presidente do Sindicato, acrescentando ter tido por parte da administração a empresa abertura para rever algumas situações pontuais.

O PÚBLICO tentou contactar a administração da empresa, que desde 2000 está integrada no grupo espanhol Sacyr e que desde 2012 saiu de bolsa invocando a falta de liquidez do título, mas foi informado que a empresa não ia prestar esclarecimentos. Questionado sobre que tipo de intervenção poderá a empresa pedir ao Governo, Albano Ribeiro lembrou que tantos anos depois, o Estado ainda não pagou à Somague nenhuma indemnização por ter resgatado a concessão do Túnel do Marão, e ter entregue a obra à Infraestruturas de Portugal.

Albano Ribeiro contabiliza esse resgate em 150 milhões de euros. O PÚBLICO confirmou que a reclamação apresentada pelo Agrupamento Complementar de empresas construtor (ACE), composto pela Somague Engenharia e pela MSF foi de 262,2 milhões de euros, e que o Tribunal reconheceu uma indemnização de 47 milhões de euros. Que ainda não foi paga, porque o Estado reclamou.

No último relatório da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos refere-se que "na versão final do acórdão de liquidação que foi notificada às partes em 29 de Janeiro de 2016", o Estado deverá pagar "o valor dos juros transcorridos sobre o valor da construção pago pelo Estado no final de 2011, resultando num valor líquido de oito milhões de euros, dos quais três milhões de euros correspondem à devolução do valor da caução acionada pelo Estado em 2014".

À Lusa, esta quinta-feira, fonte oficial do Ministério do Planeamento e das Infraestruturas defendeu, por seu turno, que Estado deve apenas cinco milhões de euros à Somague, decorrente das obras do túnel do Marão, em vez dos 150 milhões reclamados pela construtora.  

Fonte oficial do gabinete do ministro Pedro Marques disse à agência Lusa que "o Estado deve cinco milhões de euros à Somague" e que "só ainda não pagou porque há recursos a decorrer nos tribunais".  

A Somague já foi uma das maiores empresas de construção em Portugal. Fundada pela família Vaz Guedes em 1940, assinou a primeira obra publica na barragem de Castelo de Bode. E uma das ultimas foi a barragem Foz/Tua, cuja construção está a terminar. A última inauguração que assinalou foi a do Hotel CR7/Pestana, no Funchal.

Em todas estas décadas de história, a empresa tem no currículo estradas, hospitais, estádios de futebol (participou na construção de cinco dos dez estádios que foram construídos para o Euro 2004) e a construção da Igreja da Santíssima Trindade, em Fátima. Em 2015, a última vez que apresentou contas, o volume de negócios foi de 428,7 milhões de euros, sendo o mercado português aquele que apresentava a maior fatia, com 29% do total. 

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