Golpada em velocidade de cruzeiro

O autor de Ocean’s Eleven e Erin Brockovich regressa ao cinema com um óptimo entretenimento que se mantém dentro da sua zona de conforto.

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Steven Soderbergh tinha desistido do cinema, dizia ele, depois de ter tido de ir fazer Por Detrás do Candelabro (2013), a sua biografia para a HBO de Liberace, com Michael Douglas e Matt Damon, porque nenhum estúdio o quis. Agora, um dos mais constantemente inteligentes cineastas contemporâneos dá o dito por não dito e regressa ao grande ecrã com um filme financiado e distribuído de modo independente, sem a mão dos estúdios, que não quer — diz ele — ser mais do que um simples entretenimento. (Como se fosse possível olharmos para um filme seu apenas como isso.)

Sorte à Logan, onde Soderbergh acumula realização, fotografia e montagem (e, dizem os mentideros, também o argumento, creditado a uma tal Rebecca Blunt de que nunca se ouviu falar), tem qualquer coisa de “molhar os pés” para ver como está a água. É um “filme de golpe” propulsionado pela paisagem musical de David Holmes, mas também uma maneira segura de Soderbergh desenferrujar os músculos. Não se inventa nada em Sorte à Logan, versão “provinciana” dos filmes da série Ocean’s Eleven: o alvo são as concessões do autódromo de Charlotte e o “cérebro” do golpe dois irmãos lixados pelo sistema (Channing Tatum e Adam Driver), classe operária que sobrevive a custo (o dinheiro ou a falta do dito numa sociedade onde tudo se mede pelo dinheiro, “motor” e “motivo” constante do realizador, a pôr a engrenagem em movimento).

Esse cenário rural, da América profunda à qual Hollywood só liga quando lhe convém, envia também o filme para um outro campeonato — o das comédias de acção dos anos 1970 que fizeram o nome e a fortuna de Burt Reynolds, fitas como O Bom e os Maus ou Hooper. Não estamos exactamente em território dos Três Dukes, mas também não andamos lá longe — o problema de Sorte à Logan não é, contudo, esse, porque não há nada de condescendente em recorrer a estereótipos para logo a seguir os desmontar com sabedoria.

O problema é mesmo faltar um rasgo qualquer a Sorte à Logan, como se Soderbergh não tivesse conseguido “desenferrujar” por completo ou reencontrar a sua melhor forma, como se tudo se desenrolasse de modo puramente mecânico. Ou, dito por outras palavras, este é um filme que precisava de meter a quinta assim que possível mas fica ali a borregar em terceira com medo de dar cabo do motor. Que isso não seja um problema: Sorte à Logan é um entretenimento óptimo, divertido, com a elegância e a precisão a que Steven Soderbergh nos habituou. Estamos, por isso, mal habituados e mais do mesmo já não nos chega.

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