Juízes não são responsáveis por "mastodontes dos megaprocessos", diz presidente da Relação

Orlando Nascimento considerou que “a cultura da perfeição e do eruditismo” têm levado a uma demora processual.

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O presidente da Relação afirma que os juízes não são responsáveis pelos mastodontes dos chamados megaprocessos, que se "eternizam na comunicação social, muito antes do julgamento" renato cruz santos/ARQUIVO

O presidente do Tribunal da Relação de Lisboa disse esta quarta-feira que "a falta de celeridade é um dos calcanhares de Aquiles da acção dos tribunais" e que os juízes "não são os responsáveis pelos mastodontes dos chamados megaprocessos".

Discursando na tomada de posse dos novos juízes desembargadores, Orlando Nascimento considerou que os problemas da justiça que mais directamente se podem imputar aos tribunais têm a ver com a celeridade processual ou a falta dela.

"A cultura da perfeição e do eruditismo têm levado a que os tribunais, muitas vezes, se enredem e se deixem enlear em exercícios de erudição, citando-se uns aos outros, quando não a si próprios, sem que tal lhes tenha sido pedido", criticou.

Na mesma linha, afirmou que, "demasiadas vezes, os juízes, em vez de decidirem, perdem-se em lucubrações de natureza académica em termos que nem os académicos já usam".

Segundo Orlando Nascimento, a justiça dos tribunais sofre de um outro mal, este "geral do país", de disseminação do poder, que dificulta quer a imputação de responsabilidades, quer a sua correcção em cada situação concreta.

"Nos tribunais, como no país, a culpa será sempre dos outros", observou o presidente da Relação de Lisboa, dizendo ainda: "A ineficiência da justiça penal deveria incomodar-nos".

Orlando Nascimento frisou que os juízes não são responsáveis pelas opções de política criminal que têm sido tomadas e tão "fracos resultados" apresentam em áreas nevrálgicas da organização socioeconómica, notando igualmente que os juízes não são os responsáveis pelos mastodontes dos chamados megaprocessos, que se "eternizam na comunicação social, muito antes do julgamento".

O mesmo responsável alertou ainda para a "ausência de responsabilização" dos cidadãos e pessoas colectivas que deixam arrastar os seus conflitos para os tribunais, mesmo sabendo que neles "não têm razão", a que acresce a "reconhecida ineficácia da desjudicialização do processo executivo (cobrança de dívidas e penhoras)".

"Muitas são as empresas que não dispensam ao poder democraticamente eleito o respeito que lhe é devido no exercício das suas funções públicas, pior fazendo aos cidadãos no âmbito das suas relações contratuais", criticou.

Orlando Nascimento disse ser sua convicção que a criação de mecanismos processuais, combinando a incrementação de uma fase pré-judicial conciliatória com o sancionamento da litigância temerária e com a eficácia da execução das sentenças dos tribunais "muito contribuiria para a redução da litigância judicial, para o ajustamento do quadro de juízes às reais necessidades e para a eficácia da justiça".

"Em quaisquer circunstâncias, com a alteração ou a manutenção do paradigma actual no que respeita à maior ou menor responsabilização dos cidadãos e empresas que recorrem aos tribunais, aqui estaremos neste Tribunal da Relação de Lisboa para assumirmos as nossas responsabilidades na realização da justiça", concluiu.

O presidente da Relação lembrou ainda que a justiça, ela mesma, vai muito além da acção dos tribunais, lançando a questão: "Haverá alguma justiça numa sociedade que todos os dias aumenta o número de pobres e em que os ricos são contemplados com volumosos subsídios, escondidos sob os mais variados pretextos, de investimento, de criação de emprego, de interioridade, de estímulo da economia?".

"Haverá justiça quando os pobres pagam impostos e os ricos são resguardados com erros informáticos, sempre operacionais para os primeiros?". "Haverá justiça quando os pobres são expulsos do centro das nossas cidades e os ricos convidados a instalarem aí os seus interesses?", questionou ainda.

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