Vladimir Putin contesta acusações de "censura" a Kirill Serebrennikov

Presidente russo comentou na China o processo que envolve o encenador e realizador que se encontra em prisão domiciliária, acusado de fraude.

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Vladimir Putin visitou em Xiamen uma exposição sobre a herança cultural da China Mikhail Klimentyev/ REUTERS

Vladimir Putin rejeitou esta terça-feira a existência de qualquer acção de perseguição ou censura das autoridades do seu país sobre o encenador e realizador Kirill Serebrennikov, que a 23 de Agosto foi acusado por um tribunal do Kremlin de desvio de fundos estatais, e desde então se mantém em prisão domiciliária em Moscovo.

Não há qualquer “censura” nem “pressão” em torno de Serebrennikov, que foi acusado pelas autoridades judiciais do seu país de desviar 68 milhões de rublos (quase um milhão de euros) de subsídios públicos entre 2011 e 2014, disse o Presidente russo numa conferência de imprensa na China, no âmbito da cimeira dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que se realizou na cidade de Xiamen.

Putin recordou que “Serebrennikov foi subsidiado com fundos públicos”, e defendeu que tal significa não ter havido, por isso, qualquer acto de “censura ou perseguição”. “Se assim fosse, se houvesse a intenção de impedir a sua actividade criativa, simplesmente ele não teria recebido fundos estatais”, argumentou o Presidente russo.

Admitiu que o trabalho do encenador motiva diferentes reacções, mas que isso é apenas “uma questão de gosto”. “Se as autoridades cabimentaram fundos, isso significa, no mínimo, que elas o fizeram a partir de uma perspectiva neutral, e deixaram o artista fazer o seu trabalho”, acrescentou Putin.

Na noite de 21 para 22 de Agosto, o encenador e director artístico do Gogol Center, instituição de referência da vida artística em Moscovo, foi detido em São Petersburgo quando rodava o seu novo filme. No dia a seguir, foi acusado por um tribunal da capital russa de “fraude massiva” e de desvio de fundos relativos à produção de uma versão de Sonho de Uma Noite de Verão, de Shakespeare, que, segundo as autoridades, não teria sido concretizada – mesmo se existem registos na imprensa russa e na Internet da sua apresentação.

Em tribunal, Serebrennikov rejeitou as acusações, que considerou “incrivelmente absurdas e impossíveis”. Apesar disso, mantém-se em prisão domiciliária, impedido de usar a Internet e de contactar com alguém que não da família, até à realização do julgamento, marcado para 19 de Outubro. Arrisca uma pena de prisão de dez anos.

Manifestações e apelos

Logo após a sua detenção, vários artistas manifestaram-se frente ao tribunal de Moscovo mostrando descontentamento e exigindo a libertação do encenador. Também os meios artísticos e culturais de vários países europeus se apressaram a reagir, acusando as autoridades russas de perseguição a Serebrennikov. Ainda em Agosto, Thomas Ostermeier, director artístico da prestigiada Schaubühne de Berlim e presidente do Conselho Cultural Franco-Alemão, e o dramaturgo e encenador Marius von Mayenburg, também alemão, lideraram uma manifestação junto da Embaixada da Rússia em Berlim, exigindo a libertação do artista detido.

Lançaram de seguida uma petição pública online, "Liberdade para Kirill Serebrennikov", que no final de Agosto tinha já reunido mais de dez mil assinaturas, entre as quais estavam as das actrizes Cate Blanchett e Nina Hoss, dos realizadores Volker Schlöndorff e Danis Tanovíc, dos dramaturgos Enda Walsh e Mark Ravenhill, dos músicos Igor Levit e Sergei Nevski, além de responsáveis de instituições como as casas de ópera Unter den Linden e Komische, de Berlin, ou os teatros Young Vic, de Londres, e Thalia, de Hamburgo.

Na sua declaração na China, Vladimir Putin enfatizou que “a única situação em investigação é a legalidade da utilização dos fundos”, e que se “os organismos de investigação e auditoria encontrarem alguém a violar a lei ostensivamente, será levado perante o Justiça”.

Tendo chegado agora ao momento mais agudo, aquilo que a imprensa russa designou já como “caso Serebrennikov” teve o seu início em Maio, quando o encenador foi interrogado, nessa altura apenas como testemunha, no âmbito do processo de utilização fraudulenta de fundos estatais, entre 2011 e 2014, da companhia Studio Seven, que Serebrennikov também dirigiu.

Em Julho, o Teatro Bolshoi cancelou, à última hora e de forma controversa, a estreia da produção com que Serebrennikov encenava a vida e obra do bailarino russo Rudolf Nureyev (1938-1993). Era uma das estreias mais esperadas da temporada daquele teatro de Moscovo, e muitos dos defensores do encenador viram no facto de a peça abordar a homossexualidade do mítico bailarino a razão para o seu cancelamento e para a posterior perseguição a Serebrennikov.

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