O senhor Silva e o senhor Trump

O que mudou em Cavaco Silva não foi o conteúdo, foi a forma que escolheu para passar a mensagem.

O discurso de Aníbal Cavaco Silva na Universidade de Jovens do PSD animou a semana política durante uns dias. O PSD gostou, o PS nem por isso e a esquerda mostrou bem o seu desagrado. Até aqui, nada de novo. Como aliás não houve nada de substancialmente novo na mensagem do Presidente da República que entre 2006 e 2016 “habitou” Belém.

Em Dezembro de 2015, numa das suas últimas intervenções públicas como Chefe de Estado, no Conselho da Diáspora, Cavaco já havia dito que ‘em matéria de governação, a realidade acaba sempre por derrotar a ideologia’. Na altura, a “geringonça” levava menos de um mês em funções executivas e o Presidente já achava por bem deixar o aviso. “A governação ideológica pode durar algum tempo, faz os seus estragos na economia, deixa facturas por pagar, mas acaba sempre por ser derrotada pela realidade”.

 “Portugal não tem alternativa à zona euro, se saltasse fora, afundava-se”, acrescentou Cavaco Silva num discurso que em tudo faz lembrar a aula dada aos jovens sociais-democratas em Castelo de Vide. Há outras semelhanças, mas para o caso em apreço os exemplos são suficientes. Também houve novidades, naturalmente, como as palavras dedicadas ao Presidente francês Emmanuel Macron, que foram entendidas (e bem) como uma metáfora à realidade presidencial portuguesa.

Em suma, já tínhamos ouvido Cavaco Silva dizer que a realidade derrota sempre a ideologia. O que nunca tínhamos era ouvido o professor que foi primeiro-ministro e Presidente da República usar uma linguagem tão pouco institucional, sabendo que estava em directo nas televisões e que seria citado em todos os jornais generalistas, nas suas versões digitais e em papel.

Referir-se à “bazófia” do ex-ministro grego das Finanças Varoufakis, à retórica dos que “piam” e acabam por “perder o pio” porque o seu “pio” não tem credibilidade nenhuma ou chamar “galáxia da Venezuela” àquilo que teríamos se voltássemos ao escudo foi a grande novidade da mensagem. Mais do que o conteúdo, foi a forma escolhida, as palavras exactas. 

Talvez Cavaco tenha tentado adaptar o discurso à plateia de jovens que tinha pela frente, aliviando-o da carga habitual, mas o estilo não combina com a personagem. Alguém ouviu a referência ao “senhor Trump” (que é o Presidente americanos – e todos sabemos como Cavaco Silva sempre deu importância aos pormenores) sem pensar no “senhor Silva”?

Era Alberto João Jardim que chamava “senhor Silva” a Cavaco, na tentativa de o diminuir. Em 2005, quando se escreveu que Cavaco Silva acharia bom para a sua candidatura presidencial que o PS tivesse maioria absoluta (porque os eleitores não gostam de pôr os ovos todos no mesmo ninho), Jardim defendeu a sua expulsão do partido e disse: “O comportamento do senhor Silva é motivo de expulsão e espero que de uma vez por todas o partido deixe de ser politicamente correcto e limpe o partido”. Cavaco não gostou do conteúdo e sobretudo desagradou-lhe a forma. 

Durante anos, não havia duas figuras que personificassem tão perfeitamente os dois, ou mais, partidos que existem dentro do PSD. Por isso foi tão surpreendente ouvir Cavaco Silva, doze anos depois, referir-se ao Presidente americano como o “senhor Trump”. Não o podemos culpar. Afinal, ele próprio avisou que a aula era “informal e despretensiosa”. E não era só por estar em mangas de camisa.

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