A morte de Lady Di

Lady Di não só humanizou e modernizou uma dinastia bolorenta e distante dos seus súbditos, como se tornou uma das figuras mais icónicas a nível mundial dos anos 90.

Ao longo da sua brilhante história, o PÚBLICO fez algumas das mais inesquecíveis primeiras páginas da imprensa portuguesa, sobretudo durante o período em que Vicente Jorge Silva, o seu fundador e primeiro director esteve à frente do jornal, servido pelo fabuloso e elegantíssimo “design” com que Henrique Cayatte o vestiu. Uma delas é incontornável e mesmo passadas mais de três décadas ninguém a esquece: aquela em que a foto de capa era dominada pelo líder soviético Mikhail Gorbatchov, mas onde se via sobretudo a sua cabeça quase calva e a mancha vermelha que tinha do lado direito.

Penso que nenhuma outra capa marcou tanto o jornal e aquilo que ele pretendia ser do que essa – um órgão da imprensa escrita cosmopolita, aberto ao mundo, sem deixar de olhar informativa e criticamente para o nosso rectângulo. Mas a vida é o que é, depois disso muitas outras edições do PÚBLICO vieram e continuam a vir para a rua todos os dias e todas elas tiveram capas mais ou menos conseguidas, mais ou menos vibrantes, mais ou menos incontornáveis.

Nos onze meses em que fui director do Público não me lembro de nenhuma outra que me recorde de imediato, passados todos estes anos, do que a que assinalou a morte de Lady Di. Não porque seja uma grande capa com uma grande foto. Não é uma coisa nem outra. Mas por ser a da morte da princesa Diana.

Foto

Deitei-me tarde nesse sábado e antes de me meter na cama, no noticiário da Antena 1 das três da manhã, ouvi a notícia de que a ex-mulher do Príncipe Carlos tinha tido um acidente em Paris, no túnel da ponte de l’ Alma, quando o carro em que viajava, perseguido por paparazzi, se tinha enfeixado contra um dos pilares. Diana tinha sido levada para o Hospital de Salpêtrière, onde os médicos a estavam a operar. O seu namorado, Dodi Al-Fayed, filho do proprietário dos conhecidos armazéns Harrod’s, tinha morrido no acidente, assim como o motorista. O outro sobrevivente era o guarda-costas, que também viajava no carro.

Fiquei de imediato alerta e já não preguei olho. As notícias iam-se sucedendo com a indicação de que Diana continuava na sala de operações. Devo ter dormitado mas no noticiário das sete veio a confirmação: apesar de todos os esforços para a reanimar, Lady Di tinha morrido na sala de operações, não resistindo ao violento embate de que fora alvo. Fui a correr para a redacção do PÚBLICO. Reunimos quem estava – não tenho a certeza mas suponho que entretanto terão chegado o Torcato e o João Cândido –, chamámos quem estava disponível e pusemos a edição em movimento: crónicas dos correspondentes em Paris e Londres, reacções internacionais, perfil de Diana, os seus últimos actos (em particular a campanha, que apadrinhou, para a desminagem de Angola), o impacto na família real, explicação e grafismo do acidente, depoimentos de quem a conhecia, fotos, como e quando seria a transladação do corpo e quando se realizariam os funerais, pedir artigos de opinião e, ao longo do dia, escolher a foto de capa.

A esta distância pode haver quem pense que um jornal como o PÚBLICO talvez não devesse ter dado tanta atenção a uma pessoa que só se tornou conhecida depois de casar com o príncipe Carlos e só passou a ser fonte de múltiplas notícias à medida que o seu casamento com o mesmo príncipe Carlos ruía e os rumores de mal-estar entre os dois e a má relação com a rainha-mãe se sucediam. Puro engano: pelas mais diversas razões mas sobretudo porque tinha conseguido aproximar a realeza do povo – não por acaso, como se sabe, ficou conhecida pela “princesa do povo” – Lady Di não só humanizou e modernizou uma dinastia bolorenta e distante dos seus súbditos, como se tornou uma das figuras mais icónicas a nível mundial dos anos 90, que oscilava entre as notícias sobre os seus “affaires” amorosos e os encontros com Madre Teresa de Calcutá ou as suas deslocações a países em guerra, como Angola, onde era fotografada com uma criança ao colo vítima do conflito. Além disso, Diana foi-se transformando, ao longo do seu pouco feliz casamento: começou como uma crisálida tímida e envergonhada e terminou como uma borboleta brilhante e lindíssima. Nessa transformação, passou a namorar com as objectivas dos fotógrafos e as câmaras de televisão – e acabou devorada por eles. Saía sempre bem, a cores ou a preto e branco, ao perto ou ao longe, em qualquer situação, de vestido de cerimónia ou de fato de banho, numa cerimónia de gala ou na proa de um iate, com indumentária de cetim ou fato de banho. Onde estava, era o centro das atenções. Os seus vestidos, penteados, chapéus, sapatos, carteiras, cortes de cabelo eram copiados e passavam a ditar a moda. Depois dos Beatles, Lady Di foi provavelmente a figura britânica não política mais conhecida a nível mundial.

Como de costume, com a contenção a que o PÚBLICO habituou os seus leitores, a par da foto a toda a largura da primeira página da princesa tendo por fundo a bandeira do Reino Unido, escreveu-se apenas “Diana (1961-1997)”. Não, não é uma grande primeira página, nem sequer a foto evidencia a imagem que Diana tinha na altura. Mas é a primeira página do PÚBLICO que não esqueci durante os onze meses em que fui director do jornal – e possivelmente o dia, naquele ano de brasa, em que todos apenas pensámos em fazer o melhor jornal para os leitores e, ao fim do dia, nos orgulhámos outra vez da nossa profissão e do jornal para que trabalhávamos.

Nicolau Santos foi director do PÚBLICO de 29 de Outubro de 1996 a 29 de Setembro de 1997

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