Morreu Walter Becker, fundador dos Steely Dan

O músico, que fundou com Donald Fagen esta banda muito popular nos anos 1970, tinha 67 anos.

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Walter Becker em palco com os Steely Dan LUSA/JEAN-CHRISTOPHE BOTT

Morreu, aos 67 anos, em Maui, no Havai, Walter Becker, guitarrista e co-fundador dos Steely Dan, a banda de rock cheia de suavidade que nos anos 1970 trouxe novos e mais complexos horizontes, próximos do jazz e com toques de r&b e soul, à cena pop da época, bem como letras impenetráveis sobre temas pouco convencionais e não raras vezes hilariantes, sem nunca perder de vista a acessibilidade.

A notícia foi avançada pelo site oficial do músico, que adianta que Becker morreu no domingo. A causa da morte não foi ainda divulgada, mas em Julho, segundo o The New York Times, o guitarrista e multi-instrumentista tinha faltado a actuações com os Steely Dan num festival em Los Angeles e Nova Iorque por estar a recuperar de uma intervenção médica.

Em 1972, cinco anos depois de se terem conhecido na faculdade e começado a tocar juntos, Donald Fagen e Walter Becker, que eram fãs de Debussy, Duke Ellington e Charlie Parker, mas também dos blues de Chicago e de soul, fundaram os Steely Dan. O nome é uma referência a Festim Nu, o livro de William S. Burroughs de 1959. Na altura, eram uma banda propriamente dita, com Becker, que originalmente tocava baixo, e Fagen, sempre nas teclas e na voz, a unirem-se aos guitarristas Jeff “Skunk” Baxter e Denny Dias, o baterista Jim Hodder e, ocasionalmente, o vocalista David Palmer.

Assim foi ao longo de três álbuns, mas cedo o duo que estava por detrás de tudo decidiu que não queria mais ir em digressão e que preferia focar-se exclusivamente no estúdio, onde podia seguir a sua visão sem limites. Para isso, preferia ter acesso a todo o tipo de músicos de estúdio, e o resto da banda desapareceu. Não era difícil de prever: basta ver um vídeo da banda a actuar na altura para perceber que grandes artifícios e mais do que estarem impávidos e serenos a tocar não eram algo para que tivessem sido talhados – deixavam tais adornos para a música. Muito menos o estrelato. Em 2001, os Steely Dan entraram Rock and Roll Hall of Fame, e, no momento do discurso, Becker declarou em cima do palco que não tinham mais nada a dizer, a não ser o que já tinham escrito no site oficial da banda. Então, pediram ao público para fazer perguntas e fizeram eles próprios perguntas ao público.

Os Steely Dan foram uma banda de estúdio até 1980, nos quatro discos que se seguiram até ao final da banda – viriam a voltar, com entusiasmo pela novidade de ir em digressão, no ano 2000, e continuavam a tocar nos últimos tempos. Mesmo quando estiveram separados, Fagen e Becker trabalharam nas bandas e nos álbuns a solo um do outro (Becker tem dois: 11 Tracks of Whack, de 1994, e Circus Money, de 2008). Isto depois de uma fase má de Becker no final dos anos 1970 e início dos 1980, com um vício de heroína que culminou na morte da sua namorada e o levou, num esforço de reabilitação, a mudar-se para o Havai e a tornar-se produtor de abacate.

Fagen e Becker eram perfeccionistas ao máximo, daí o uso constante de inúmeros músicos de sessão. Peg, por exemplo, faixa que é um dos pontos altos de Aja, um dos mais bem-sucedidos e aclamados discos do grupo, tem um solo de guitarra para o qual sete guitarristas de estúdio diferentes foram contratados. Todos tentaram o seu melhor, mas só um deles serviu: Jay Graydon, um produtor e compositor que trabalhou com nomes que vão de Al Jarreau e George Benson a Dolly Parton.

O solo dura menos de um minuto e demorou seis horas a gravar. A obsessão foi elevada ao expoente máximo em Gaucho, álbum de 1980 em que a bateria de uma faixa, por exemplo, juntava quase 50 gravações diferentes, em que Mark Knopfler foi contratado para tocar guitarra e a contribuição do músico dos Dire Straits acabou por ficar limitada a poucos segundos e em que uma boa parte do orçamento foi para o engenheiro de som Roger Nichols desenvolver um inovador sampler e caixa de ritmos digital, o Wendel

A música de Becker marcou inúmeros músicos, dos mais variados estilos musicais. Em 1989, Peg serviu de base para Eye know, tema do primeiro álbum da banda de rap De La Soul, o que abriu Steely Dan a todo um novo público e permitiu a dois músicos brancos ultra-influenciados por música negra darem algo de volta à fonte donde foram beber. Algo que voltaria a acontecer no início dos anos 1990 com Michael McDonald, que cantou em Peg e foi membro dos Doobie Brothers ao lado do ex-Steely Dan Jeff "Skunk" Baxter, que ouviu a sua I keep forgettin’ a criar a base instrumental de Regulate, do gangsta rapper Warren G com Nate Dogg.

A cantora e compositora Rickie Lee Jones, cujo Flying Cowboys, quarto álbum de originais, foi produzido por Becker, escreveu no site da revista Rolling Stone um tributo elogioso ao músico, sobre a sua influência nela e na música em geral: “Eles trouxeram os solos de jazz para o rock, tornaram fixe o ser-se engraçado em letras e fizeram com que ser fixe fosse mais importante do que ser bonito." No meio dos elogios, não se coibiu de falar das letras algo agressivas para mulheres de quem os Steely Dan não gostavam e do facto de não ter gostado do saxofone soprano em Satellites, uma das canções que Becker produziu para ela.

No Instagram, Ahmir “Questlove” Thompson, baterista e líder dos Roots, a banda de hip-hop, além de especialista em tudo o que é música, falou sobre a sua relação com a música dos Steely Dan e as vezes em que tocou com Becker e disse que o músico era um dos seus "arquitectos favoritos do som suave FM dos anos 1970".

Fagen, o parceiro musical de Becker, escreveu um comunicado citado pela revista Billboard em que fala da infância perturbada do ex-colega e da sua inteligência e sentido de humor, bem como da maneira como conseguia "ler a psicologia escondida das pessoas e transformar o que via em arte borbulhante e incisiva". Um comunicado que acaba a explicar que tentará "manter viva por tanto tempo quanto puder" a música que os dois fizeram juntos, sob o nome Steely Dan.

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