Sub-financiamentos de primeira e de segunda ordem — As universidades e o caso da UBI

Volvidos os anos de crise, há folga para reforçar o ensino superior e da ciência, corrigir as duas ordens de subfinanciamento, estabelecendo-se prioridades com sentido. Em particular a UBI.

No que toca ao esforço da despesa pública com o ensino superior público, Portugal está na cauda em relação aos seus pares da OCDE e da UE, e não é por uma diferença de décimas, mas de múltiplos. Na UE, a média da despesa pública com ensino superior é o dobro da portuguesa; na OCDE quase chega ao triplo. E estas não são comparações entre valores absolutos, mas à escala de cada economia — no nosso caso uma escala bem modesta, o que agrava o desequilíbrio. 

É verdade que houve um aumento significativo do peso da despesa com a educação no total da despesa pública ao longo dos últimos anos em Portugal; só que não foi com o ensino superior e a ciência. No período da austeridade, o ensino superior sofreu pesados cortes, na ordem das várias centenas de milhões de euros, que tardam em ser repostos. A este respeito, 2017 foi um balde de água fria. E 2018 parece ir pelo mesmo caminho.

Grande parte do esforço de investimento que o Estado não faz é deixado aos estudantes e suas famílias. Portugal é o segundo país da UE em que as famílias mais pagam pelo curso superior. Claro, os países que investem menos no ensino superior são países onde o ensino superior se torna menos acessível. As propinas, introduzidas há mais de 20 anos com o propósito de melhorarem a qualidade de ensino, têm hoje perto do triplo do peso que tinham aquando da sua introdução nas receitas das instituições. É óbvio que já não servem para melhorar nada. Tornaram-se foi imprescindíveis ao funcionamento básico das instituições, pagando salários, água e luz.

Mas este é apenas o primeiro mosaico das dificuldades com que tem de viver uma pequena e jovem universidade pública do Interior — a Universidade da Beira Interior — onde sou professor há 15 anos e cujo Conselho Geral integro. Ao sub-financiamento crónico de todo o sistema, soma-se um outro específico à UBI e que acumula pelo menos quatro penalizações, todas fruto de escolhas políticas que a opinião pública ignora ou pouco conhece.

Primeiro, a UBI não é uma instituição antiga, não beneficiando de um financiamento que tem sido feito nos últimos 15 anos com base no histórico de dotações  e que sobretudo tem servido para conservar vantagens adquiridas. Como, na verdade, é a mais jovem universidade pública de ensino presencial em Portugal continental, a UBI nem sequer dispunha de uma estrutura estabilizada, com quadros preenchidos e oferta formativa completa, quando foram fixados os valores orçamentais que têm vigorado. Obviamente a UBI evoluiu, o seu financiamento é que não.

Segundo, a UBI não está situada no litoral ocidental, não beneficiando da escala de uma mancha populacional onde se concentra 80% da população do país nem das oportunidades de cooperação vantajosa com um tecido económico mais forte. 

Terceiro, junto com todas as outras universidades públicas portuguesas situadas fora dessa faixa litoral, a UBI não beneficia de uma política afirmativa de sustentabilidade para o Interior que até agora não foi além do papel, mau grado os esforços envidados com a criação da Unidade de Missão para a valorização do Interior (por iniciativa do actual Governo).

Por fim, a UBI tem ainda o azar de ser a única universidade portuguesa que não está associada a uma capital de distrito, o que a deixa sem representantes políticos nas distritais partidárias e, subsequentemente, na Assembleia da República — incapacitada assim de fazer a pressão política que todas as outras podem, provavelmente com mais sucesso que a cidade da Covilhã.

O resultado desta quádrupla penalização é asfixiante. Sobre os valores médios de (sub)financiamento do ensino superior português, há que descontar mais um 1/4 no caso da UBI. Em 2016, a dotação orçamental para a UBI foi de 22,8 milhões, o que deixou à universidade o encargo de desencantar mais 5 milhões só para cobrir despesas com pessoal. Este subfinanciamento de segunda ordem salta à vista logo que surgem esforços de governação no sentido de passar do financiamento por inércia, baseado no histórico, para um modelo lógico e transparente de financiamento. Foi assim com a proposta de 2015 de modelo de financiamento apresentada pelo então secretário de estado do ensino superior Ferreira Gomes, entretanto enfiada na gaveta. Mas com essa ou com outra proposta, o subfinanciamento de segunda ordem saltaria à vista, pois a única justificação para a persistência deste tipo subfinanciamento reside em as atribuições orçamentais no ensino superior público serem em Portugal em grande medida opacas. E na opacidade medem-se poderes, influências, favores, tudo o que a prática da boa governação não recomenda. Portanto, o que não pode continuar é não haver uma proposta de modelo de financiamento, clara, com sentido, capacitante e responsabilizadora.

O actual reitor da UBI tem exposto o caso desde que assumiu o cargo. Em 2013, não podia ter sido mais objectivo: «Do montante global do Orçamento do Estado destinado ao ensino superior (…) deveríamos receber 2,91%. Pois fiquem sabendo que em 2013 apenas recebemos 2,30%. Ou seja, a UBI deveria receber mais 26% do que aquilo que efetivamente recebe para chegar à média de financiamento nacional». Mais recentemente, por ocasião do orçamento do ano passado, a situação mantinha-se inalterada: «Estão a secar-nos e isto está a chegar a um ponto insustentável». Os alertas foram feitos. Mas o poder político parece sofrer de uma surdez selectiva e este ano, desoladoramente, as regras de construção orçamental são as mesmas.

O relativo sucesso da UBI, na verdade a universidade que fora da faixa litoral ocidental vai conseguindo demonstrar alguma resiliência, até protagonizar alguma liderança (seja em número de alunos seja em termos de afirmação científica), em nada a tem beneficiado. Que o seu inconformismo a possa prejudicar, como está a suceder, é perturbador para quem se empenha quotidianamente para levar a bom porto a mais improvável universidade. 

Mas isso ainda é o menos, comparado com o letal que é para a sua missão, de imensa importância estratégica para o país. A UBI qualifica populações e fixa-as, mesmo que por períodos transitórios, em territórios onde impera uma forte tendência para o despovoamento; proporciona estrutura qualificada a uma larga área territorial do país que, de outro modo, tende a ficar entregue ao abandono; atrai e dá apoio a iniciativas de desenvolvimento regional, renovando esperanças no seu território e na coesão territorial do país. Para além dos problemas que comunga com todo o sistema, para continuar precisa, como de pão para a boca, de equidade.

Volvidos os anos de crise, há folga para reforçar o orçamento do ensino superior e da ciência, corrigir as duas ordens de subfinanciamento, estabelecendo-se prioridades com sentido. Em particular a UBI — de todas e desde há anos a mais subfinanciada — deve com urgência ver-se tratada com maior equidade. Por razões de justiça, mas muito mais fundamentalmente porque de outra forma acaba-se com as melhores e escassas oportunidades de o Interior ser viável.

Membro do Conselho Geral da Universidade da Beira Interior

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