A partir de segunda-feira os enfermeiros especialistas em saúde materna vão à Ordem entregar o "título"

Muitos têm-se recusado a estar nos blocos de parto, como forma de protesto. Mas agora, quem entregar na Ordem dos Enfermeiros o averbamento que lhe permite exercer funções de especialista só pode exercer cuidados gerais de enfermagem. Outras especialidades ameaçam também parar nos próximos dias.

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Rui Gaudêncio

Sobe de tom a guerra dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica. Depois de terem retomado o protesto de Julho, recusando cumprir funções especializadas, nomeadamente nos blocos de parto, porque exigem ser pagos para isso, emitiram um comunicado neste sábado. E ameaçam: “Cansados e esgotados que estamos, vamos endurecer muito a nossa actuação.” E a forma como vão endurecer a sua actuação é esta, segundo confirmou ao PÚBLICO Bruno Reis, porta-voz do movimento: “Vamos pedir à Ordem dos Enfermeiros a suspensão do averbamento do título profissional, ficando assim proibidos de exercer funções de especialistas.”

Ou seja, se até agora muitos já se recusavam a estar nos blocos de parto, ou a fazer acompanhamento de grávidas no pós-parto, ou ainda a fazer preparação de partos (só para dar exemplos de algumas tarefas especializadas), quem entregar o averbamento do título profissional “não pode mesmo fazê-lo por lei”, e as administrações dos hospitais devem, aliás, afastar os enfermeiros para serviços onde só sejam prestados cuidados gerais de enfermagem, diz Bruno Reis. O porta-voz afirma que muitos dos seus colegas que têm aderido ao protesto de recusa de funções de especialidade têm sido coagidos pelas administrações dos hospitais a exercê-las.

Com a nova forma de protesto, "os enfermeiros continuam com o título de enfermeiros, mas sem o averbamento que lhes permite exercer funções de especialista”, prossegue Bruno Reis. O requerimento que os enfermeiros deverão usar para o efeito “já está a ser partilhado” e, a partir de segunda-feira, e até ao final da semana, muitos deverão entregá-lo na Ordem, acredita.

No comunicado às redacções, o movimento justifica: “Tentámos evitar o início da suspensão de funções especializadas, alertando o ministro da Saúde com 30 dias de antecedência. A actuação do ministro [Adalberto Campos Fernandes] foi nada. Suspendemos a primeira fase do protesto [a 24 de Julho], de boa-fé com aquilo que parecia ser uma vontade honesta de agir correctamente com os enfermeiros. Depois de várias manobras políticas orquestradas, o resultado foi nada. Iniciámos a segunda fase do protesto [a 24 de Agosto]. As maternidades estão caóticas, o SNS não tem enfermeiros especialistas de saúde materna e obstétrica para garantir a segurança dos cuidados. O sr. ministro da Saúde não visitou até ao momento, uma única maternidade. O que fez? Solicita dados aos conselhos de administração e dá indicação para transferir as grávidas para os hospitais PPP e privados!”

Mais especialidades ameaçam parar

Segundo a edição deste sábado do semanário Expresso, a Ordem dos Médicos já fez saber que tem preparada uma declaração de autodefesa. “A minuta vai ser enviada às unidades para informar que o médico subscritor declina responsabilidades no exercício das suas práticas que resultem de défices nas condições de trabalho ou da equipa”, disse o bastonário Miguel Guimarães.

É que “os médicos não conseguem assegurar tudo e não podem assumir responsabilidades quando não têm uma equipa a funcionar” nos serviços, acrescentou Guimarães.

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros tem apoiado a luta destes enfermeiros e recomenda mesmo que se alargue a outras especialidades, o que Bruno Reis diz que deverá acontecer muito em breve.

O PÚBLICO contactou enfermeiros de mais três especialidades que estão a organizar movimentos semelhantes aos da saúde materna: Patrícia Araújo, do Centro Hospitalar São João, no Porto, é a porta-voz do movimento independente de enfermeiros especialistas em reabilitação. Diz que “mais de uma centena” de colegas deverão entregar, já na próxima semana, um aviso nos seus hospitais a informar as administrações que em 30 dias vão suspender as suas funções especializadas e só prestar cuidados gerais. “Vamos tentar marcar um dia para entregarmos todos ao mesmo tempo.”

Manuel Galhardas, enfermeiro do Hospital Garcia de Orta, em Almada, é um dos que está a organizar o movimento dos enfermeiros da especialidade médico-cirúrgica, com o mesmo objectivo. “É um movimento muito recente, mas a ideia é seguir os mesmos passos que os enfermeiros de saúde materna deram: fazer uma minuta de recusa de cuidados especializados” informando as unidades de saúde que em 30 dias eles deixarão de ser prestados. Nesta especialidade ficariam em causa cuidados de enfermagem de pós-operatório, por exemplo.

Já Bruna Ferreira, do Agrupamento de Centros de Saúde Barcelos-Esposende, diz representar os enfermeiros especialistas em saúde infantil e pediátrica. “Alguns, como eu, já suspendemos funções de cuidados de especialidade”, mas outros vão juntar-se nos próximos dias, assegura.

O protesto dos especialistas em saúde materna começou a 3 de Julho, com a suspensão de tarefas relacionadas com esta especialidade. A criação da categoria de enfermeiro especialista (com a respectiva revalorização salarial de quem tem essas funções) é a principal reivindicação.

A pedido do Ministério da Saúde, a Procuradoria Geral da República pronunciou-se então sobre a forma como os enfermeiros decidiram fazer-se ouvir. Defendeu que os profissionais que se recusem a exercer funções especializadas podem ser responsabilizados disciplinar e civilmente e incorrer em faltas injustificadas. Bruno Reis garante que até agora nenhum profissional foi alvo de processo disciplinar.

Para dia 11 está previsto o início de uma greve nacional de enfermeiros, convocada pelo Sindicato dos Enfermeiros (até 15 de Setembro). O sindicato reivindica a introdução da categoria de especialista na carreira de enfermagem, com respectivo aumento salarial, e a aplicação do regime das 35 horas de trabalho para todos os enfermeiros.

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