Combater a corrupção com pés e cabeça

Não precisamos de ir ao Brasil nem aos EUA para tornarmos menos corrupta a nossa sociedade. A lei portuguesa tem uma figura que, com algumas alterações, permitiria que a eficácia do combate à corrupção aumentasse substancialmente. Chama-se essa figura a suspensão provisória do processo.

A vontade dos nossos governantes de combater eficazmente a corrupção não parece ser muito grande. Mesmo as alterações legislativas anunciadas como pacotes anticorrupção, para além de alguns aspectos positivos, trazem sempre portas e janelas por onde se enfraquece esse combate.

Os chamados “crimes sem vítima” – a vítima é o Estado... – dado o facto de corruptores e corrompidos partilharem os mesmos interesses e não existirem, normalmente, testemunhas torna particularmente difícil a investigação e a repressão criminal. Se a isto acrescentarmos a complexidade dos circuitos financeiros internacionais percebe-se que os resultados sejam reduzidos. E é por isso mesmo que, para além da prevenção, é essencial procurar a cooperação dos suspeitos com a Justiça.

O nosso sistema legal, nesta área, está montado para dissuadir os arguidos de colaborarem com a Justiça, não lhes dando quaisquer garantias de que a sua contribuição para a descoberta da verdade, será minimamente recompensada. Um arguido corrupto ou corruptor não deve, de forma alguma, arrepender-se ou procurar colaborar com a Justiça, já que corre o risco de ser o único punido porque confessou ou ser punido com mais severidade do que os seus cúmplices, se apanhar pela frente juízes defensores da máxima “Roma não paga a traidores”.

E, no entanto, não é assim tão difícil criar um sistema legal que permitisse que a colaboração com a Justiça fosse uma alternativa sensata para os arguidos permitindo que a Justiça obtivesse resultados que, sobretudo, teriam a vantagem de afastar a ideia de impunidade corruptiva. Não é necessário recorrer ao sistema brasileiro, designado vulgarmente por delação premiada que, embora com notáveis mas controversos resultados naquele país, levanta inúmeros problemas e críticas, nomeadamente no que respeita à sua compatibilidade com os princípios do nosso sistema penal. O sistema norte-americano do plea bargain ou de negociação da pena, tem a vantagem de permitir que a justiça criminal norte-americana não seja um absoluto caos uma vez que só cerca de 5% dos casos criminais chegam a um efectivo julgamento, ficando-se todos os outros por um acordo entre os arguidos e o ministério público, validados pelo juiz. Mas este sistema é igualmente gerador de diversas perplexidades e, como se tem vindo a constatar, tornou-se profundamente injusto levando a que muitos inocentes prefiram dar-se como culpados, obtendo uma pena menos severa, do que correr o risco de se sujeitarem a um julgamento. Sobretudo se forem negros, pobres e com cadastro.

Mas nós não precisamos de ir ao Brasil nem aos EUA para tornarmos menos corrupta a nossa sociedade. A lei portuguesa tem uma figura que, com algumas alterações, permitiria que a eficácia do combate à corrupção aumentasse substancialmente. Chama-se essa figura a suspensão provisória do processo e permite que o processo criminal seja suspenso durante um certo período de tempo sob condição de o arguido cumprir determinadas obrigações, extinguindo-se o processo findo o prazo da suspensão no caso de o arguido ter respeitado as condições que lhe tenham sido impostas.

A suspensão provisória do processo está prevista, essencialmente, no combate a crimes de pequena ou média gravidade, embora também esteja prevista no caso da corrupção activa mas tem diversas condições que inviabilizam a sua utilização efectiva e que teriam de ser alteradas. Uma delas, por exemplo, é o “carácter diminuto da culpa” que, como é evidente, não será uma característica dos crimes de corrupção. Outra, por exemplo, é a necessidade de concordância do assistente com a suspensão do processo, o que muito provavelmente não aconteceria tendo até em conta os jornalistas que se constituem assistentes neste tipo de processos. A necessidade da concordância do juiz, prevista pela lei, também levanta problemas na medida em que o juiz de instrução deixou, em muitos casos, de ser o garante das liberdades, direitos e garantias dos cidadãos e passou a assumir medidas mais repressivas do que as defendidas pelo Ministério Público.

Parece, contudo, que estes e outros obstáculos seriam possíveis de ultrapassar caso, governo e oposição, se decidissem a avançar, de forma consistente, no combate à corrupção.

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