Google acusado de influenciar despedimento de investigador que criticou a empresa

Especialista em concorrência defendeu a decisão da União Europeia de multar a empresa. Multinacional recusa acusações.

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O Google foi condenado pela Comissão Europeia a uma multa pesada Reuters/Dado Ruvic

Um think tank financiado pelo Google cortou relações com um dos seus académicos (e o grupo de trabalhadores que este geria) depois de este ter defendido publicamente a decisão da União Europeia de multar o Google em 2,4 mil milhões de euros por práticas de anticoncorrência e monopolização do mercado.

A informação, contada pelo especialista em questões de concorrência despedido, é avançada esta quarta-feira no New York Times. “Agora, as pessoas têm medo do Google”, frisa  Barry Lynn em declarações ao jornal americano. “O Google é muito agressivo a atirar dinheiro em Washington e em Bruxelas e a puxar os cordelinhos.”

Lynn era o responsável da Open Markets, uma equipa que explorava políticas de concorrência e mercados abertos para o New America – um grupo de investigação que recebeu mais de 21 milhões de dólares do Google e da família do presidente não executivo, Eric Schmidt, desde a sua criação, em 1990. O dinheiro do gigante tecnológico ajudou o New America a estabelecer-se como uma voz de referência nos debates políticos da esquerda americana. Porém, há anos que o trabalho de Lynn era progressivamente mais crítico de gigantes como o Google a Amazon.

A última gota terá chegado em Junho. “O poder de mercado do Google é um dos desafios mais críticos para decisores políticos no mundo actual”, escreveu Lynn, num texto publicado no site do New America, após a multa aplicada ao Google. “Ao exigir que o Google dê o mesmo tratamento aos seus serviços rivais em vez de privilegiar os seus, [a comissária europeia Margrethe] Vestager está a proteger o fluxo livre de informação e comércio de que todas as democracias dependem.”

Semanas mais tarde, Lynn foi convidado a sair. Num email partilhado com os jornalistas, a direcção do think tank notifica Lynn de que “chegou a altura da Open Markets e do New America partirem em direcções diferentes”. Ou seja, toda a equipa (que inclui dez pessoas a tempo inteiro) é afectada.

O New America e o Google negam que o despedimento de Lynn tenha sido causado pela crítica. “A denúncia é completamente falsa”, escreve a directora executiva do grupo, Anne-Marie Slaughter, num comentário de resposta ao New York Times. “Depois de dez anos a trabalhar com o New America, a posição da Open Markets não é novidade para o Google”.

Slaughter diz que despediu Barry porque o investigador não aderiu às novas regras editoriais e de funcionamento da instituição. Lynn, porém, acusa a New America de ceder à pressão do director não executivo do Google e desvalorizar a integridade do think tank. Além de ter dado financiamento, Eric Schmidt presidiu ao New America até 2016 e ainda dá nome à sala de reuniões (chama-se “O laboratório de ideias de Eric Schmidt”).

Já o Google defende-se com exemplos de grupos que financia e que nem sempre publicam conclusões com que a empresa concorda. O trabalho de Geoffrey A. Manne (um investigador de economia, em Portland, que recebe dinheiro do Google) a defender o fim da neutralidade da Internet nos EUA é exemplo disso. O Google é a favor da neutralidade, que impede grandes fornecedores de telecomunicações de bloquearem ou diminuírem a rapidez de acesso a determinados conteúdos online.

“Não concordamos a 100% com todos os grupos [que financiamos] em todos os momentos, e embora por vezes possamos discordar, respeitamos a independência de cada grupo, das decisões sobre o seu pessoal e das suas políticas”, nota Riva Sciuto, uma porta-voz do Google sobre o assunto. 

Lynn, porém, não é o único a criticar o gigante. Em Julho, o Google foi acusado de investir milhões em trabalhos académicos favoráveis pelo Google Transparecy Project, um projecto da associação de defesa dos consumidores com sede em Washington. “O Google está a utilizar a sua enorme riqueza e poder para tentar influenciar decisores políticos a todos os níveis. No mínimo, os reguladores deveriam estar conscientes de que o trabalho alegadamente independente de que dependem vem, afinal, do Google”, frisa o responsável do projecto, Daniel Stevens, na apresentação do relatório em que acusa a empresa de criar um “universo de citações pagas que ajudam aos seus interesses”.

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