TRC ZigurFest, o festival onde a música portuguesa pode acontecer numa capela

No TRC ZigurFest ver concertos é estar bem perto do património histórico de Lamego. E é ouvir, sobretudo, uma nova geração. A sétima edição decorre entre esta quarta-feira e sábado, com Pega Monstro, Alek Rein, Harmonies, entre muitos outros

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João Taveira

Tudo começou porque uns miúdos de 20 anos andavam cheios de vontade de fazer “um festival na sua própria terra”. Não se lembram ao certo de quantos eram – “talvez uns 15?” –, mas lembram-se bem que o que queriam era “fazer acontecer”. E fizeram. Lamego, 2011, nascia o TRC ZigurFest, um festival dedicado à nova música portuguesa. A sétima edição arranca esta quarta-feira e leva, até sábado, nomes como Pega Monstro, Alek Rein, Harmonies, Stone Dead, Primeira Dama, Coelho Radioactivo ou Sallim a vários espaços da cidade duriense.

“Organizámos a primeira edição em pouco mais de três meses, a convite do Teatro Ribeiro Conceição [daí a sigla TRC no nome], o teatro municipal de Lamego”, recorda ao PÚBLICO Afonso Lima, director e programador do ZigurFest. Convidaram os peixe:avião para encabeçar o festival, o realizador Tiago Pereira para apresentar o seu projecto A Música Portuguesa A Gostar Dela Própria, os John is Gone para tocar num after, entre muitos outros. Foi um sprint, mas correu tudo bem. “Tivemos bons resultados, por isso percebemos que era para continuar.”

A edição inaugural do festival acabou por abrir caminho para a criação e oficialização da ZigurArtists, em 2012. “No início já éramos um colectivo, mas sem nome. O ZigurFest veio dar-nos um nome e mais alguma força para fazer uma programação musical em vários sentidos”, explica Afonso Lima. A ZigurArtists desdobra-se em editora online, casa de músicos como Mr. Herbert Quain, azul-revolto, Daily Misconceptions ou Morsa, e em associação cultural/promotora, através da qual organizam regularmente vários concertos pelo país, de Lamego ao Porto, de Coimbra a Lisboa (como as noites Combustão Lenta no espaço Desterro), que tanto se podem alinhar com a música experimental como com a música electrónica, que tanto se podem aproximar do rock como do jazz. Contudo, há um ponto de união entre todas as iniciativas, incluindo o ZigurFest. “Fazemos coisas bastante díspares mas que têm, na verdade, uma linguagem comum, que é nova música portuguesa, a vontade de descobrir e apresentar novos artistas que não têm muita visibilidade”, afirma Afonso Lima.

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Rodrigo Ferreira

Essa vontade volta a cumprir-se nesta sétima edição do ZigurFest. É um cartaz curto (com preços igualmente curtos: cinco euros o passe geral, três euros o bilhete diário), sem nomes grandes, mas atento ao que se anda a fazer por cá – e o que se anda a fazer por cá é cada vez mais e melhor. Esta quarta-feira, dia zero do festival, o tiro de partida é dado por Primeira Dama, cantor-compositor da jovem editora Xita Records e com novo disco homónimo, uma voz admirável vertida sobre teclados. Há também as canções agridoces e subaéreas de Sallim, a guitarra e as percussões entre o krautrock e o dub dos Talea Jacta, e a música popular brasileira à moda de Luca Argel, brasileiro a viver no Porto desde 2012. “Este ano alargamos o cartaz à música de outros países de língua portuguesa, com o Luca Argel e o angolano Chalo Correia”, aponta Afonso Lima.

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João Taveira

Na quinta-feira encontraremos Coelho Radioactivo, nome valioso da nova geração de cantautores portugueses; Lyfe, beatmaker nascido e criado em Lamego; ou Nils Meisel, investigador sonoro de experimentalismos circulares e celulares. Pelo caminho é provável que nos cruzemos com as instalações artísticas e sonoras criadas no âmbito do programa ZONA – Residências Artísticas de Lamego. Na sexta-feira, o alinhamento engorda e o dia estende-se: passaremos por nomes como Live Low, colectivo que reconfigura, a ritmo próprio, a música popular portuguesa, e por Harmonies, projecto de Joana Gama, Luís Fernandes e Ricardo Jacinto iluminado pela música de Erik Satie. E dançaremos com os Stone Dead, rapazes do rock’n’roll com os clássicos bem estudados, ou com BLEID, uma das mais entusiasmantes produtoras de música electrónica em território nacional. No sábado, a recta final da festa faz-se com as canções pintadas pelo deserto americano de Calcutá, o jazz endiabrado dos The Rite of Trio, as delícias introspectivas folk-rock de Alek Rein, ou as canções maiores do que a vida das Pega Monstro, que lançaram em Junho um dos melhores discos deste ano, Casa de Cima. Sem esquecer, claro, Chalo Correia, mestre nas músicas tradicionais angolanas.

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João Taveira

Todos os concertos do ZigurFest estabelecem uma dinâmica especial com o centro da cidade. Acontecem em espaços que fazem parte do património de Lamego, como a Capela do Desterro, o Museu Diocesano, o Castelo, o Museu de Lamego ou a Rua da Olaria, alguns deles palcos em estreia nesta edição. “Sempre quisemos que o ZigurFest fosse um festival da cidade e que pudesse levar as pessoas a circular por ela”, diz Afonso Lima. “Lamego tem uma quantidade acima da média de monumentos por metro quadrado. Em cada recanto podes descobrir algo histórico. Acho que uma coisa que nos diferencia é esta conjugação entre o património português e a nova música portuguesa”, acrescenta o programador.

E o público local tem vindo a olhar para o ZigurFest cada vez mais como o festival da cidade, que convive lado a lado com as festas populares da região (o dia das Pega Monstro e de Chalo Correia é também o dia de Anselmo Ralph). “As pessoas valorizam cada vez mais o que fazemos e pedem para continuarmos. Mesmo que às vezes não gostem da música, reconhecem o que estamos a fazer e sentem-se desafiadas”, conta Afonso. “Acabam por sentir que um bocadinho de Paredes de Coura ou do Milhões de Festa vai ali.” De resto, é como eles dizem: continuar a “fazer acontecer”.

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