A nova vida do Palácio Baldaya vai levar cultura a Benfica

Novo espaço cultural de Lisboa vai acolher uma biblioteca, uma ludoteca infantil, exposições e espectáculos vários. Portas abrem na sexta-feira. Nos últimos dias, sobretudo depois de ter sido vandalizado, as obras fazem-se de manhã à noite

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Nuno Ferreira Santos

Recentemente, Inês Drummond descobriu que tem uma veia de empreiteira. Ao percorrer as diferentes salas do Palácio Baldaya, a presidente da Junta de Freguesia de Benfica vai-se inteirando do decorrer dos trabalhos. Quer saber o que é que cada um anda a fazer, pergunta porque é que uma parte do soalho de madeira está tão escuro, discute opções estéticas, faz admoestações simpáticas, pede mais um esforço a quem nos últimos dias só tem parado em casa meia dúzia de horas.

O palácio, na sua nova vida de pólo cultural, abre portas na sexta-feira. As obras de reabilitação começaram há dez meses, mas ainda há coisas que parecem atrasadas: janelas por montar, chão por colocar, portas por abrir. Inês Drummond não está preocupada, garante que o prazo de abertura é para cumprir e até mandou fazer festa gorda. De sexta a domingo há concertos, projecções de filmes, bailaricos, tertúlias, peças de teatro.

Os fregueses não vão aparecer só na hora do croquete, também deram uma mãozinha na recta final das obras. Sobretudo depois de, na madrugada da última sexta-feira, alguém ter pintado paredes, portas e janelas com tinta cinzenta, naquilo que a presidente da junta disse ser “um lamentável acto de terrorismo”.

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Pelos vistos, alguns cidadãos de Benfica não gostaram da brincadeira. “Só no domingo tivemos uns trinta voluntários. Pais, filhos e netos”, conta Inês Drummond, ela própria com as mãos metidas à obra. As mãos, literalmente: “Já tenho aqui um calo de tanto varrer.” Logo no sábado de manhã começaram a aparecer pessoas a oferecer ajuda, simpaticamente despachadas com uma palmadinha nas costas. Mas o movimento foi tal que “a meio da tarde já não foi possível recusar” os voluntários, que se entretiveram a pintar as paredes e um muro exterior. No domingo ao fim da tarde, em jeito de agradecimento, a presidente da junta mandou vir quinze frangos de uma churrasqueira próxima.

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Foi provavelmente a última vez que se comeu frango assado no interior deste palácio do século XVIII, pelo menos nos tempos mais próximos. Este espaço de 1400 metros quadrados vai brevemente acolher uma biblioteca, uma ludoteca infantil, exposições, espectáculos vários. A biblioteca ainda não é a que a população de Benfica anseia, mas vai ocupar a maior parte do edifício. “Há 20 anos que há a promessa de construção de uma biblioteca em Benfica”, diz Inês Drummond, que se cansou de esperar e pediu à Câmara Municipal de Lisboa que cedesse o Baldaya à junta.

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Antes desta nova vida, o palácio foi a sede do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária durante um século. Em redor, no que em tempos foi a Quinta do Desembargador, ainda estão os pavilhões baixos e cinzentos utilizados por aquele organismo, que saiu dali em 2013. Antes disso, em 2009, aqueles terrenos foram vendidos pela câmara à Estamo, a imobiliária do Estado. Em 2015, a autarquia e a junta chegaram a acordo para resgatar o palácio ao esquecimento.

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Lá fora, o jardim está arranjado e os lagos jorram água. Cá dentro, as salas ainda estão quase todas despidas, de novo pintadas de branco. Uma delas já tem inquilinos: uns painéis com informações turísticas sobre a freguesia. Outras, como a antiga cozinha palaciana, quase não precisam de mais nada, os azulejos bastam. Aqui funcionará a cafetaria. No sótão, ainda atulhado de coisas e a precisar de trabalhos que só serão feitos depois da abertura do Baldaya, funcionará um espaço de cowork com capacidade para 16 pessoas.

“O objectivo é que isto ganhe vida própria”, diz Inês Drummond já fora dos muros da propriedade, junto ao chafariz histórico da freguesia. Na parede exterior do palácio, agora pintada com um azul muito escuro, o artista Raf anda a pintar um grafitti enorme. Faz lembrar um medalhão com uma ninfa grega que segura um molho de flores. É, na verdade, a figura de Maria Joanna Baldaya, que habitou o palácio no século XVIII e acabou por lhe emprestar o nome.

A presidente da junta resistiu muito a ter ali um grafitti, achava que não era um local adequado. Lá cedeu e agora diz-se rendida. O grande mural é, aliás, motivo de romaria. Quando saem da agência da Caixa Geral de Depósitos que há ali perto, várias pessoas tiram o telemóvel do bolso e apontam-no ao renovado edifício. “Este é um projecto que as pessoas acarinham. Estão curiosos e expectantes para ver o que vai acontecer”, diz a autarca. Já não precisam de esperar muito.

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