As tendências corruptoras do exercício do poder

A actividade política não tem apenas como limite a lei, porquanto a sua acção é também limitada pela ética, que deve funcionar como regra subsidiária da lei.

A natural malícia dos homens conduz a uma inevitável tendência para a corrupção. Mas, o exercício do poder torna essas tentações ainda mais fortes, de tal modo que costuma dizer-se que “todo o poder corrompe”. A fiscalização dos actos dos governantes são, por vezes, ineficazes. Perante tal condicionalismo, não deve qualquer sociedade conformar-se com os efeitos corruptores do poder.

Há que limitar essas tendência corruptoras através de fiscalizações internas que, no caso português, se têm mostrado débeis, quando não completamente desajustadas e ineficazes, sobretudo no que respeita aos escalões cimeiros do poder. As dificuldades em tal matéria reflecte-se no conhecido aforismo latino: “quis custodiet custodes?”, ou seja, os guardas são sempre difíceis de guardar, sobretudo aqueles que ocupam o vértice do poder. A maior parte dos casos, senão sempre, as investigações só se mostram conclusivas quando tais governantes já deixaram de ser detentores do poder.

É da sabedoria milenária dos povos que o exercício do poder reclama uma larga e cuidada preparação relativamente aos governantes. Essa sabedoria reflecte-se no rifão popular segundo o qual “se queres conhecer o vilão põe-lhe a vara na mão”. E realmente tem sido frequentes os casos em que os países pagaram preços muito elevados, em vidas, em desperdícios financeiros e injustiças, como conseqência da ascensão política de gente destituida de adequada formação ética e moral. Para contrariar a referida tendência corruptora, importa evitar uma longa permanência no exercício do poder através da limitação temporal dos mandatos políticos.

Acontece que, minados os alicerces morais e éticos, a previsão da impunidade das infrações e dos crimes ajuda a alargar a esfera da marginalidade dentro de qualquer Estado. 

Compete ao Parlamento e aos partidos da oposição, em primeira linha, exercer as suas funções democráticas, procedendo a uma fiscalização pública permanente e administrativa, de modo que a opacidade dê lugar a uma transparência da vida pública. Mas, para que o combate a este tipo de crimes seja verdadeiramente eficaz deve partir também dos próprios cidadãos, desde logo, ao não pactuar com situações menos transparentes.

A actividade política não tem apenas como limite a lei, porquanto a sua acção é também limitada pela ética, que deve funcionar como regra subsidiária da lei.

  Ao longo dos anos tem havido uma politização e amiguismos crescentes dos lugares públicos em detrimento de critérios de experiência, mérito e idoneidade. O combate à corrupção deve passar por medidas políticas e pela transparência de quem exerce funções públicas. O Dr. Marinho e Pinto, passou todo o seu mandato, enquanto Bastonário da Ordem dos Avogados, a denunciar, publicamente, que “havia pessoas nos elevados cargos públicos a acumular fortunas de forma escandalosa, acumulando grandes patrimónios”. Muitos duvidaram das suas denúncias. No entanto, actualmente, perante os casos que correm nos tribunais, creio que ninguém terá dúvidas acerca da justeza das denúncias do Dr. Marinho e Pinto.

Os dados fornecidos pelos organismos da União Europeia (UE), que tratam do fenómeno da corrupção, não têm a sido nada favoráveis a Portugal: 93% dos portugueses consideram que a corrupção é um “grande problema” do país. Relativamente aos sectores onde existe mais situações de subornos e abuso do poder, os portuguesses têm apontado em primeiro lugar os políticos a nível nacional (64 %), seguindo-se os políticos a nivel local (58%) e depois a nível regional (57%). Infelizmente, esta percepção dos portugueses tem-se revelado verdadeira, face aos demasiados casos relatados pela comunicação social e pendentes nos tribunais, alguns deles envolvendo, alegadamente, grandes redes dedicadas a negócios fraudulentos. Esses casos, além de revelarem uma preocupante extensão da corrupção a nível de altos cargos da administração pública e do poder central do Estado, reclama uma espécie de limpeza da vida política, de modo que o poder democrático seja exercido como um verdadeiro exemplo de transparência e de lealdade dos eleitos perante o povo.

Apesar de tudo isto, ainda há fortes razões para que os cidadãos, legitimamente, solicitem da justiça aquilo que incumbe á justiça, pois, não sendo embora os magistrados os autores das leis, são eles que as aplicam, demonstrando ao povo que ainda vale a pena acolher-se à protecção da justiça.

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