Para evitar uma caça às bruxas na Administração Pública

O caso Huawei passou a ser também um caso NOS, mas não por causa das viagens, antes por causa dos contratos. Que tal uma cura de transparência?

A nova história quente do Verão quente são os convites que uma empresa privada fez a alguns quadros do Estado para irem à China, ver com os seus próprios olhos o que a empresa por lá fazia. Primeiro era a Huawei, ontem soube-se que talvez fosse a NOS. Ou talvez não, porque a NOS diz ter aberto um inquérito interno - e garante que quem organizou a viagem foi a Huawei. O caso tinha tudo para ser mais um Galpgate, com uma simples suspeita de "recebimento ilícito de vantagem". Mas a ele juntou-se agora uma outra suspeita: a de que o organismo do Estado que mandou gente à China assinou, depois da viagem, 11 ajustes directos de mais 400 mil euros com a NOS. Um lembrete apenas: a história já tem dois anos. Tanta gente que deve estar a rever emails perdidos.

E tantas dúvidas que sobram, nesta história ainda mal contada: quem é que, afinal, organizou a viagem? Pagar tudo a quase duas dezenas de pessoas, numa viagem à China, só custa 12 mil euros? E por que é que a NOS pagaria tantas viagens à China, que incluiriam uma visita à sede da Huawei, quando só ano e meio depois as duas empresas assinaram uma parceria? Sim, à cabeça temos um passa-culpas entre privados, veremos se ele acaba com a parceria.

Mas o mais importante neste caso é o da responsabilidade do Estado e a dos seus quadros. A suspeita, não tanto da viagem, mas sobre se houve crime depois disso, tem mesmo que ser investigada. E bastam-nos respostas a estas quatro perguntas: os serviços adjudicados foram mostrados na viagem? Que ligação têm à Huawei? Porque não foram lançados concursos? As empresas concorrentes, foram consultadas?

As respostas a estas perguntas são mesmo as mais importantes. Mas com o caminho que a polémica leva, depois das viagens ao Euro2016, das viagens à China e, sobretudo, depois da desresponsabilização vigente, o maior risco que corremos é que se abra aqui uma verdadeira caça às bruxas na Administração Pública. Era, portanto, hora de pensarmos outra vez na transparência dos processos.

Num mundo normal, não é crime que responsáveis públicos voem até à China para conhecer um serviço que admitem contratar. Tão pouco parece mal que seja quem vende a pagar os custos. Mas faria mal que essas viagens, quando pagas por privados, fossem publicadas? Para sabermos quem foi, onde e porquê - sem termos depois surpresas, investigações e uma permanente desconfiança? Para não deitar a criança com a água do banho, que tal começar pelo princípio e fazer uma cura de transparência?

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