Taliban lançam revista feminina - elogia as mães e ensina a lançar granadas

Desprezam-nas e matam-nas, mas agora querem recrutá-las. A Sunnat I Khaula (em honra de uma heroina muçulmana do séc. VII) elogia o papel das mães na guerra santa e ensina as mulheres a usar granadas.

Foto
Mian Khursheed/Reuters

Os taliban paquistaneses lançaram uma revista feminina. Chama-se Sunnat I Khaula, e com ela o grupo conhecido por impor uma estrita interpretação do islão, que nega às raparigas o direito de ir à escola, espera chegar a um público que sempre desprezou: as mulheres da classe média que pretende recrutar para a jihad, de forma a não perder terreno para outros grupos.

“O mercado do terrorismo está muito povoado hoje em dia”, ironizou Rafia Zakaria, colunista do jornal paquistanês Dawn. Explica que há uma competição entre grupos terroristas locais, com “variantes ideológicas ligeiras mas disputada de forma sangrenta”. Os taliban competem com o Daesh, especialista em mover-se nos media e nas redes sociais. “A pressão do Daesh, que é perito em usar a Internet, com campanhas de publicidade atraentes e jihadistas com sotaque britânico, é formidável”, escreveu esta advogada especializada em direito constitucional.

Por isso, “grupos com os Tehreek-e-Taliban do Paquistão andam à procura de formas de atrair públicos que até aqui ignoraram”, escreveu Zakaria. E se houve grupo demográfico que foi ignorado pelos estudantes de teologia (o significado de taliban), foi o feminino. A revista, que tem distribuição apenas online, surge como forma de chegar a ele. O nome significa “O caminho de Khaula”, em referência a uma das primeiras discípulas do profeta Maomé, Hazarat Khaula Bint al-Azwar. Esta guerreira do século VII lutou ao lado do irmão, Hazarat Zaraar ibn Azwar, em muitas batalhas contra o Império Bizantino na região onde hoje existem a Síria, a Jordânia e a Palestina, explica um artigo no jornal paquistanês Daily Times.

Foto
DR

Há uma ideia clara de usar figuras históricas do islão, tingidas de lenda, para atrair mulheres para a guerra santa actual, que se faz com o jogo sujo do terrorismo. As mulheres podem ser eficazes, nota o Le Monde. Podem influenciar os seus filhos a juntarem-se aos taliban, podem servir de informadoras ou de bombistas suicidas, sem despertarem tantas suspeitas como os homens.

Por isso, esta primeira edição da revista tem artigos a elogiar o papel das mães na jihad e textos a ensinar como se usa uma granada.

Foi em 2011 que os taliban paquistaneses começaram a usar mulheres como bombistas suicidas — a primeira foi num atentado em Carachi, diz o Daily News. No mesmo dia, 26 de Junho, os taliban afegãos usaram uma menina de oito anos para atacar uma esquadra de polícia.

O Daesh, que está a integrar-se no complicado terreno dos radicais islâmicos na fronteira fluida entre o Paquistão e o Afeganistão, também não se faz rogado em usar mulheres. Há alguns meses, as forças de segurança paquistanesas detiveram uma estudante de Medicina que estava a planear atacar uma igreja em Lahore, na altura da Páscoa.

Quando recrutava mulheres ou raparigas, o Daesh não queria atrair apenas noivas para os combatentes na Síria. Chegou a ter um instituto para mulheres jihadistas, a Al-Zawra, em Raqqa (Síria), apresentada como uma “escola para mulheres interessadas em cintos explosivos, e em serem bombistas suicidas mais do que terem um vestido branco, um castelo ou mobília”, de acordo com a apresentação que se fazia no site do grupo radical islâmico. O objectivo era “preparar irmãs para a jihad”. Dava formação em cinco disciplinas: costura e cozinha, primeiros socorros, islão e lei da sharia, treino no uso de redes sociais e programação de computadores para edição e design de sites.

“Bons” exemplos

A revista dos taliban paquistaneses não vai tão longe, é mais tradicional. A capa mostra uma mulher de costas com uma burqa negra. Mas as suas 45 páginas estão em inglês — daí ser vista como uma tentativa de chegar às classes médias-altas paquistanesas.

Há um artigo de 18 páginas assinado por alguém que se apresenta como uma profissional de medicina, que narra a sua viagem desde a “ignorância”, associada à educação mundana, para a “bom caminho”, a vida da jihad. Outro pretende ser uma carta de uma criança de seis anos que diz que o seu irmão morreu ao realizar um ataque terrorista, e que o seu sonho é seguir o mesmo caminho. A “criança” diz que brinca com armas de brinquedo e ajuda a mãe a tomar conta dos mujaheedin (os combatentes da jihad).

Há outros “bons” exemplos, como o artigo da mulher do mullah Khorasani Fazlullah, que não tem direito a ser identificada pelo nome. Ela derrete-se em elogios ao esposo, que “nunca se zangou”, nem quando ela “não cozinhou ou limpou bem a casa”, e defende que proibir o casamento de crianças “é um crime” — conta a sua própria experiência como noiva de 14 anos. “É preciso compreender que os rapazes e as raparigas púberes, se ficam solteiros muito tempo, podem tornar-se uma fonte de destruição moral da nossa sociedade”, diz a mulher do taliban.

Sugerir correcção
Ler 9 comentários