São Bartolomeu do Porto saiu à rua e tomou o “banho santo”

É uma tradição milenar que ganhou força nos últimos anos: o cortejo do traje de papel das Festas de São Bartolomeu, no Porto, aconteceu este domingo. Centenas de participantes desfilaram pela Foz e mergulharam na Praia do Ourigo.

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Quem entrasse na Escola Básica de Paulo de Gama, este domingo de manhã no Porto, bem poderia pensar que as aulas estavam de regresso, tal era a azáfama. Mas não. Este foi um dos locais escolhidos pela organização das Festas de São Bartolomeu para os participantes do cortejo do traje de papel se preparem e vestirem a rigor. Entre os caretos de Podence, a selecção portuguesa de futebol, o Papa Francisco e a fadista Amália foram muitas as personagens que circulavam pelos corredores da escola, horas antes do desfile na Foz do Porto.

Logo à entrada, numa das salas, os chocalhos, as máscaras e as fitas de papel vermelhas, amarelas e verdes anunciavam que Trás-os-Montes chegara mesmo ao Porto. O Paraíso da Foz, uma das colectividades participantes do cortejo, optou por envergar, este ano, os trajes dos caretos de Podence. Tal como uma linha de montagem devidamente organizada, as várias peças dos “mascarados” estavam divididas. Sapatos para um lado, chocalhos para o outro, mulheres deste lado, homens no lado oposto.

Maria Aurora dos Santos foi das primeiras a serem vestidas, com ajuda de membros da colectividade. “Quando era mais miúda, achava piada ver, mas não achava piada participar”, confessa ao PÚBLICO. A participante de 57 anos cresceu na Foz e, apesar de hoje viver em Matosinhos, há já sete anos que não perde um cortejo. “Com a idade, acabamos por perceber que temos de dar valor ao que temos na freguesia”.

No entanto, há  outra razão que explica o gosto que ganhou pelo cortejo do traje de papel das Festas de São Bartolomeu. O pai de Maria Aurora pertenceu a uma das colectividades participantes. “Quando fui pela primeira vez desfilar, ele ficou muito feliz. É como uma espécie de homenagem que lhe faço, já que ele já cá não está”, afirma.

Mais uns passos á frente, não é de estranhar ver Nuno Ortigão, presidente da União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, a tirar fotografias aos participantes e já vestido com um traje de papel. Para além das colectividades da zona, como o Paraíso da Foz, a Associação de Moradores do Bairro Social da Pasteleira, a Associação de Moradores do Bairro Social de Aldoar, a Academia de Danças e Cantares do Norte de Portugal e o Orfeão da Foz, também um bloco da União das Freguesias, constituído por cerca de 150 pessoas, participa no cortejo nos últimos quatro anos.

“As pessoas estranham haver um grupo das três freguesias, mas serve para não se correr o risco de a tradição terminar. Assim, caso nenhuma colectividade participe num ano, temos sempre maneira de garantir que há cortejo”, explica Nuno Ortigão. Este ano, traja como Aristides de Sousa Mendes, o cônsul português que salvou inúmeros judeus da perseguição nazi durante a Segunda Guerra Mundial. A razão para não ser um mero espectador no cortejo é simples: “Quero passar pela experiência, saber o que isto custa e o trabalho que dá”.

A organização avança que cerca de 600 participantes terão desfilado este domingo pelas ruas da Foz do Porto. E a ambição vai mais longe: “Não existe uma tradição como esta em mais lado nenhum de Portugal e da Europa. Há algo semelhante no Canadá, chamado paper parade, mas é com carros alegóricos”, refere o presidente da União das Freguesias.

Muitos moradores locais e visitantes não terão conhecimento da tradição milenar que as Festas de São Bartolomeu criaram na Praia do Ourigo, na Foz do Porto. A romaria ao santo culminava num “banho santo” no Oceano Atlântico, que livrava das maleitas que o diabo teria espalhado da noite de 23 para 24 de Agosto (Dia de São Bartolomeu), quando andava à solta pelas ruas. Há 75 anos, segundo uma pesquisa do historiador portuense Hélder Pacheco, um banhista chamado Joaquim Picarote adaptou a ideia para um cortejo de trajes de papel.

Dos mais novos aos mais velhos, todos trajados a papel

Várias gerações convivem no cortejo do traje do papel das Festas de São Bartolomeu. Uns são de perto, outros moram há muitos anos no Porto, outros vieram “emprestados” de cidades próximas, como Matosinhos.

José Manuel Tedim, de 64 anos, mora na freguesia portuense de Ramalde e este é o segundo ano em que desfila. O artista plástico Almada Negreiros é a personagem a quem dá vida. José Manuel Tedim pertence ao grupo da União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, cujo tema de desfile é os últimos 100 anos da História de Portugal.

Num espaço cronológico tão alargado cabe de tudo: as aparições de Fátima, a vitória no campeonato europeu de futebol em 2016, a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Revolução dos Cravos. “Todas as tradições constroem-se. Esta começou muito ingénua e agora está organizada, atenta e tem rigor. Basta olhar para os fatos”, diz José Manuel Tedim.

Já em preparação para apoiar a selecção nacional, Ana Rita Xavier, de 15 anos, e Ana Catarina Nunes, de 16 anos, estão trajadas como adeptas. No cortejo, serão elas e mais alguns participantes a entoar hinos de apoio aos campeões europeus. O célebre “Pouco pouco importa/, se jogamos bem ou mal/, vamos é levar a taça/ para o nosso Portugal” não vai faltar, nem o grito de celebração “” de Cristiano Ronaldo.

Ambas acreditam no papel importante das gerações mais novas na manutenção da tradição do cortejo. “Isto tem uma dinâmica diferente. Os mais jovens deveriam participar, porque é uma coisa divertida e que traz todos os anos muita gente à Foz. A cada ano, há cada mais gente”, salienta Ana Rita. Para ela, que desfila desde criança, a presença do público é imprescindível. “Gosto muito, fica toda a gente a olhar para nós, sentimo-nos importantes”, ri-se.

Amália cantou, as roupas desfizeram-se, a água tingiu

O relógio marcava as 11h30 e o cortejo já seguia rumo à Praia do Ourigo, o destino final de meses de trabalho das roupas de papel e da folia dos participantes. Ainda antes de rumar à praia, a fadista Patrícia Costa, que deu vida a Amália este domingo, cantou o tema Fui ao mar buscar sardinhas, em frente à tribuna presidencial do cortejo. Algumas horas antes, dizia ao PÚBLICO ser uma fã incontornável do evento, mas como espectadora, e não como participante. “Fui convidada pela organização este ano e vestir Amália é muito especial”.

A participante de 34 anos explica que todo o cuidado é pouco com roupas de papel e que, por isso, não irá ao mar trajada, uma vez que o vestido preto da diva do fado, réplica do que Amália usou na sua estreia na sala de espetáculos Olympia, em Paris, ficará para exposição das Festas de São Bartolomeu. “O vestido não pesa nada. O problema é que não se pode fazer movimentos bruscos, senão rasga e tem de ser logo rectificado”, diz Patrícia.

Os pequenos percalços que poderão ter acontecido durante o desfile pouco vão importar daqui a alguns minutos. Tudo se vai dissolver no mar.

E à hora de almoço assim foi. Seguindo a ordem do cortejo, cada grupo de participantes foi desmanchando o que tinha vestido. O papel molhado serviu depois de arma de arremesso para atingir o público no areal. Exibiram-se biquínis, fatos de banho, calções, muita roupa encharcada e pele tingida.

Para Dolores Gouveia, responsável pelo design dos trajes do bloco da União das Freguesias, já não custa ver meses de trabalho desfeitos em água salgada. “Já estou habituada”, sorri, enquanto assistia aos mergulhos a partir do areal. As Festas de São Bartolomeu, no Porto, voltam em 2018. A tradição assim o exige. Para o ano, o mar na Praia do Ourigo vai ganhar novamente novas tonalidades. Tantas quantas existirem nas roupas de papel.

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