O consenso político é suficiente para escolher os investimentos públicos?

Os investimentos públicos deveriam ser sujeitos a uma análise custos-benefícios com uma explicitação detalhada das suas consequências e termos de equidade, entre pessoas e entre regiões.

O primeiro-ministro defendeu recentemente a necessidade de consenso político sobre grandes investimentos, traduzido por uma aprovação com uma maioria de dois terços na Assembleia da República. A ideia é boa, à primeira vista. Ao longo da próxima década terão de ser tomadas decisões sobre a realização, ou não, de investimentos importantes, no ambiente, no mar, na proteção da costa, na proteção contra incêndios, em redes de telecomunicações, em infraestruturas de transportes, em saúde ou em educação. Se houver consenso político, pelo menos deixa de haver uma discussão tão azeda, de natureza clubística mesmo, como a que se viu nas duas últimas décadas, não poucas vezes desviada da essência das coisas. No entanto, não elimina um problema típico das políticas de investimento em infraestruturas, o oportunismo eleitoral. A necessidade de consenso político pode levar a excesso de investimento. Por exemplo, para garantir a realização de obras numa região onde seja maioritário, um partido pode apoiar a realização de obras noutra região onde seja maioritário outro partido, ainda que as considere inúteis ou ruinosas. Em limite, embora cada partido possa achar que as obras na região em que o outro predomina são ruinosas, acaba por apoiar a sua realização desde que o outro apoie as que quer. Forma-se o consenso com aumento da despesa pública, sem grandes garantias de que o país venha a ganhar com qualquer um dos investimentos e com boa probabilidade de que aconteça o contrário.

Dir-se-ia que este problema poderia ser resolvido associando interesses empresariais privados ao processo de decisão. Se a realização de investimentos públicos exigisse o acordo prévio de empresas e associações empresariais, seria certamente difícil realizar investimentos de que as empresas não viessem a beneficiar. Isto evitaria investimentos ruinosos que pouco ou nada contribuíssem para a competitividade da economia. No entanto, esta é também uma abordagem incompleta por dois motivos. Desde logo, também aqui, poderia haver negociações que levassem a investimentos em excesso. Para que empresas apoiassem determinados investimentos com que, à partida, não concordassem, poderia o governo do momento oferecer a essas empresas contrapartidas, em investimentos, benefícios fiscais ou quaisquer outros. Em limite, tal como no caso anterior, poderia haver consenso sobre investimentos provavelmente ruinosos. No entanto existe um outro problema, de fundo, com estas abordagens dependentes de consensos. Os critérios de rendibilidade privada nem sempre coincidem com os de rendibilidade social. Por exemplo, um investimento turístico com efeitos negativos no ambiente pode justificar-se para a empresa promotora, mas não ser aceitável sem restrições para uma sociedade que valorize o ambiente. Ou ainda, os prazos de rendibilidade dos investimentos não são os mesmos para as empresas e para o país. As empresas pretendem muitas vezes uma recuperação do seu investimento num prazo inferior àquele que um país está disposto a suportar. Por exemplo, quanto a obras de irrigação ou de proteção da costa.

Não há solução fácil para evitar investimentos inadequados e para promover investimentos adequados. Desde logo porque importa definir o que é adequado, isto é, o que se pretende com o investimento público. 

Julgo que os objetivos a prosseguir devem ser a eficiência e a equidade. Na prática, os investimentos públicos deveriam ser sujeitos a uma análise custos-benefícios com uma explicitação detalhada das suas consequências e termos de equidade, entre pessoas e entre regiões.

Aceitando-se estes objetivos, que em princípio são pacíficos, o consenso político, alargado ou não a empresas e associações empresariais, não parece ser suficiente para a sua promoção, designadamente pelos motivos já expostos e, de forma mais geral, porque poderia levar a uma hierarquização de investimentos arbitrária. Assim, é necessário um quadro institucional que obrigue uma análise aprofundada dos investimentos em termos de eficiência e de equidade para hierarquizar devidamente os investimentos a fazer de acordo com cada um dos critérios. Essa análise deveria ser apresentada pelo promotor do investimento, fosse ele o governo, um município ou uma entidade privada a contar com fundos públicos. Depois, para evitar comportamentos oportunistas, por exemplo, previsões demasiado otimistas, essa análise deveria ser validada por uma entidade independente do governo, com um mandato para o efeito. Seria um mandato sobretudo “técnico”, no sentido de que realizaria o seu trabalho num quadro previamente definido, centrado na avaliação da razoabilidade das hipóteses admitidas pelos promotores dos investimentos e na qualidade da análise custos-benefícios apresentada. O poder desta entidade residiria na apreciação técnica das propostas apresentadas, que deveria ser pública. Uma entidade deste tipo, poderia funcionar no âmbito da Assembleia da República, ainda que com independência em relação ao governo e aos partidos. Sobre as suas apreciações dos projetos apresentados seriam feitas as opções políticas, por quem em cada momento estivesse no poder.

Entende-se por vezes que a exigência de uma avaliação técnica prévia de opções políticas, independente do governo, limita o processo democrático. Não é isso que se pretende, antes pelo contrário. É certo que se condiciona a decisão política. Mas no sentido de tornar mais difícil o oportunismo eleitoral, ou a formação de coligações de interesses políticos e privados para a promoção de algum investimento sem interesse para a sociedade. Em última análise, trata-se de criar instituições que produzam sistematicamente informação mais adequada, aumentem a transparência e contribuam para a qualidade das decisões políticas.

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