Barcelona i altres llocs

O mal não está só nos terroristas. Também está nos parlamentos, que se esquecem todos os anos. O Dia Europeu, o Dia Mundial em Memória das Vítimas do Terrorismo é a oportunidade. É o nosso dever.

Podia ter sido noutro lugar. No dia a seguir, Turku. Três dias antes, Uagadugu. Ainda temos frescos os últimos ataques em Londres, Berlim, Estocolmo, Nice, Paris, Bruxelas, Manchester. Estamos marcados pelo terror de Nova Iorque, no 11 de Setembro, de Atocha, no 11 de Março, e Casablanca, Bombaim, Bali, Sydney, Bagdade, Jerusalém e Telavive, Gamboru e Ngala, Jacarta, Moscovo, Ancara e Istambul, Boston, Utøya, Otava, Québec, Lahore, eu sei lá… Há sempre risco de omissão, tantos têm sido. Quase todos procedem do fundamentalismo islâmico. Não todos – há outras fontes da ideologia do terror. E alguns tiveram alvos islâmicos.

Desta feita, foi Barcelona e Cambrils. Vitimou duas portuguesas, entre os 15 mortos. Fez mais de uma centena de feridos, alguns muito graves. Ataque frio e cruel, reproduzindo o modelo londrino: atropelamentos, seguidos de esfaqueamentos. É a banalização dos aviões do 11 de Setembro: usar meios de transporte. Nice e Berlim estrearam o modo em camiões. Londres, Paris e Barcelona, o uso de automóveis e carrinhas. Sabemos que os doze da célula de Ripoll tinham planeado, para Barcelona, um atentado bem mais mortífero, em escala devastadora. A explosão, na véspera, fez mudar os planos. Uma quase certeza podemos ter: um dia, esse horrendo plano frustrado será retomado por outros fanáticos. Assim como, descoberto o método, aparecerão talvez outros a usar autocarros, comboios, composições de metro, lanchas, ou navios, como arma terrorista. A linha negra foi passada pelo bando que, em 2001, despenhou quatro aviões comerciais, carregados de passageiros, como se fossem mísseis, sobre as Torres Gémeas e o Pentágono, caindo outro na Pensilvânia.

Tamanha é a nossa vulnerabilidade. Em qualquer lugar, quando menos se espera, a qualquer hora. Como nunca imaginaríamos que acontecesse, nem ali, nem connosco ou alguém próximo. Tendemos a pensar que só acontece noutros sítios e com outros. Todos os atingidos em atentados tinham certamente pensado isso.

Há muito para fazer e melhorar, sempre, na prevenção e combate ao terrorismo. Sobretudo no plano da Justiça, da segurança interna, das polícias, dos serviços de informações – nalguns domínios, das forças militares e da política externa.

Creio, porém, há alguns anos, que é imperioso algo mais no plano moral e psicológico, onde estamos a falhar. É preciso conseguir a absoluta e incondicional ilegitimação moral do terrorismo, a nível global. Isso não está feito. Há quem ache que há “bom” e “mau” terrorismo, ou terrorismo “assim-assim”. Por isso, os terroristas têm onde se acoitar e quem os financie – e têm quem relativize. Isto tem raízes ideológicas antigas e constitui enorme fragilidade. Só isso explica que, tendo-se o terrorismo tornado global, ainda não tornámos global a sua condenação radical, sem concessões. É fundamental fazê-lo, ou não ganharemos.

Aqueles que alimentam a “legitimidade” do terrorismo fundam-se sempre numa ideia de combate a “poderosos” e colocam-no no plano da política – essa é, aliás, a origem do terrorismo. É preciso tirá-lo daí e colocá-lo unicamente no plano da humanidade. Colocá-lo aqui e encharcar a consciência moral dos cidadãos e das sociedades, de toda a gente em todas as terras, com o carácter execrável, repugnante e ignóbil dos actos de terror. É preciso não dar um milímetro de espaço a ideias terroristas e levar todas as sociedades a identificá-las e segregá-las. O mal vence-se de vez, quando cada um o vence dentro de si.

Mais do que problema dos Estados, o terrorismo é questão crucial de direitos humanos, a mais brutal violação e a mais séria ameaça aos direitos humanos nos nossos dias – essa é a minha forte convicção. Enquanto o virmos como problema dos Estados e do poder, receio que nunca o venceremos; antes o alimentamos. Podemos até gerar um perverso ciclo vicioso: quanto mais o combatemos, mais forte o tornamos. Mas, quando o focamos na escala real e concreta, que é a altura dos nossos olhos, a distância dos nossos braços, a dimensão do nosso corpo, aí, a probabilidade de vencermos aumenta. Somos mais fortes, porque parecemos mais fracos.

Perante um atentado, importa não pensarmos nos Estados Unidos, ou na Europa, ou na Rússia, Índia ou Egipto. Mas focarmo-nos unicamente na Kathy, no Gregg, na Aysha, na Arianne, na Elke ou no Bruno, no Alexander, no Sourav, no Ahmad – e nas suas histórias, nas suas vidas ceifadas. Importa libertarmo-nos da estatística. “15 mortos” em Barcelona é um número e uma palavra apenas; não são quinze pessoas. “2.977 vítimas” do 11 de Setembro continuam a ser um número e uma palavra; não são quase três mil pessoas mortas de repente: pessoas com rosto, histórias concretas. Só humanizando o terrorismo, o derrotaremos – porque o pomos a nu, o descemos até ao nosso tamanho e lhe roubamos qualquer polegada de espaço moral. É preciso construir e conseguir a absoluta e incondicional ilegitimação moral do terrorismo, em todo o mundo.

Na União Europeia, propus, como eurodeputado, o Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo. Foi aprovado. Fixou-se 11 de Março, data dos atentados de Madrid. Todos os anos, o Dia Europeu se assinala. Só em 2005 teve algum eco maior, na Praça Schumann. No mais, raramente sai do protocolo ou da lembrança burocrática. A minha ideia, por que lutei, era actos em todos os parlamentos dos Estados-membros e no Parlamento Europeu, com criatividade, força e imaginação, na evocação incansável das vítimas do terror. Lancei e lutei também pela ideia de conseguir o Dia Mundial em Memória das Vítimas do Terrorismo, para celebrações similares por todo o mundo. Ainda não o estabelecemos.

Infelizmente, não faltam objecto e razões. Segundo o Global Terrorism Database, houve só em 2016, em todo o mundo, 13.488 ataques terroristas, que provocaram 34.676 mortos. Repito: mataram 34.676 pessoas! É todos os anos assim. Mas, todos os anos, 184 parlamentos no mundo, mais a Assembleia Geral das Nações Unidas, o Parlamento Europeu e instituições similares, esquecem-se de honrar as vítimas do ano anterior. Como? Lembrando rostos e nomes, revivendo as histórias humanas com força e sentimento. É espantoso como conhecemos mais as histórias dos terroristas do que as histórias das vítimas. São mais de trinta mil histórias pessoais que esquecemos e negligenciámos. Histórias como, agora, a da avó e neta portuguesas, que nos enternece, comove e magoa. Ainda de Barcelona, a do rapazinho australiano, Julian Cadman, de 7 anos, perdido da mãe gravemente ferida, procurado, desde larga distância, pelo avô e pelo pai, e que, afinal, tinha morrido nas Ramblas, atropelado com a mãe. Ou a canadiana Chrissy Archibald, que morreu, em Junho, na London Bridge, nos braços do noivo, Tyle Fergusson, de quem a irmã contou: «Ele segurou-a e viu-a morrer nos seus braços. Está destruído num milhão de pedaços.» Faz chorar. Dói. É isso mesmo.

O mal não está só nos terroristas. Também está nos parlamentos, que se esquecem todos os anos. O terrorismo mata pessoas, destrói famílias. Não lhes tiremos o rosto. Não as enterremos na estatística. São essas vidas concretas que nos farão vencer. O Dia Europeu, o Dia Mundial em Memória das Vítimas do Terrorismo é a oportunidade. É o nosso dever.

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