Gestores ameaçam enfermeiros obstetras com processos disciplinares

Presidente da associação de administradores hospitalares avisa que suspensão de funções deve dar origem a processos de averiguação. Bastonária acusa-o de estar a ser "lacaio do Governo".

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Enfermeiros voltam hoje a suspender as suas funções nos blocos de parto VIRGILIO RODRIGUES

As tréguas acabaram e as posições extremaram-se. Os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica voltam, a partir desta quinta-feira, a suspender as suas funções específicas em 28 blocos de parto, um mês depois de terem interrompido o inédito protesto para iniciar negociações com o Ministério da Saúde. A bastonária da Ordem dos Enfermeiros (OE) apoia o retomar desta forma de luta e recomenda mesmo que se alargue às outras cinco especialidades. Ana Rita Cavaco diz ainda que apoia a greve de cinco dias que vai ser convocada pelos sindicatos para Setembro.

Entre 3 a 24 de Julho, especialistas em saúde materna organizados num movimento prestaram apenas cuidados gerais de enfermagem, reclamando garantias do Governo de que seriam negociados salários compatíveis com as funções especializadas que desempenham nos hospitais e nos centros de saúde. No final do mês, decidiram interromper esta forma de luta, enquanto decorria o processo negocial para chegarem a um acordo que enquadrasse a nova carreira.

Agora, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, deixa um aviso: vai haver "uma atitude de diálogo prévio", mas os profissionais que se recusarem a prestar serviço nos blocos de parto arriscam-se a ser alvo de “processos de averiguação” instaurados pelos enfermeiros directores dos hospitais -  que podem culminar em processos disciplinares.

Ordem prepara impugnação do parecer

“Não há outra solução legal, apesar de ainda ter a esperança de que seja possível chegar a um consenso que conduza a um processo gradual de reconhecimento destas competências”, diz Alexandre Lourenço, para quem o parecer que o Ministério da Saúde pediu à Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre esta matéria – e que foi conhecido em Julho - “é peremptório”. A PGR defendeu que este tipo de protesto não está enquadrado na lei e que os profissionais que se recusem a exercer funções especializadas podem ser responsabilizados disciplinar e civilmente e incorrer em faltas injustificadas.

Alexandre Lourenço “está a ser um lacaio do Governo”, criticou a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, para quem o administrador hospitalar “não conhece o parecer da PGR na íntegra”. A Ordem dos Enfermeiros está, aliás, já a preparar a impugnação da homologação deste parecer, frisa, alegando que este se baseou em informações "erradas" fornecidas pelo Ministério da Saúde.

Lamentando que todos os outros profissionais de saúde tenham negociado um "início de carreira com remunerações da ordem dos 1600 euros ilíquidos mensais, enquanto os enfermeiros continuam, desde 2005, congelados nos 1200 euros”, a bastonária sublinha que os profissionais foram “de boa fé” para as negociações, mas o ministro da Saúde “não cumpriu a sua palavra”.

“Onde é que as pessoas vão ter os bebés? Estranho que o primeiro-ministro não esteja preocupado com os profissionais que todos os dias garantem a segurança dos doentes”, enfatiza.

Médicos asseguram funções de enfermeiros

Enquanto o protesto durar, prevê Alexandre Lourenço, terão que ser os médicos a assegurar que a qualidade da prestação de cuidados a grávidas e a bebés não é posta em causa e, se necessário, serão substituídos os enfermeiros que se recusarem a desempenhar as suas funções nos blocos de parto.

A substituição de enfermeiros especialistas por generalistas não é possível, retorque Ana Rita Cavaco, que diz que já recebeu luz verde do conselho jurisdicional da ordem para suspender os títulos de especialista a quem pretender fazê-lo.

O porta-voz do Movimento dos Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica, Bruno Reis, já tinha admitido na semana passada que muitos estão dispostos a entregar os seus títulos. Sem "um compromisso sério do Ministério da Saúde", não restou outra hipótese se não a de retomar o protesto, justificou.

Bruno Reis garantiu que os 28 hospitais em causa já estão avisados desde segunda-feira do retomar desta espécie de greve de zelo - que o movimento iniciou em 3 de Julho passado e foi avançando de forma gradual, perturbando o funcionamento de vários blocos de parto.

O processo negocial estava a a ser conduzido na Administração Central do Sistema de Saúde pelos dirigentes de dois dos três sindicatos que representam os enfermeiros. A criação da categoria de enfermeiro especialista é a reivindicação que tem sido mais mediatizada, mas os sindicatos reclamam também a uniformização de horário (35 horas semanais) para os profissionais com contrato individual de trabalho e com contrato de trabalho em funções públicas.

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