PS, BE e PSD admitem discutir se políticos condenados devem ser elegíveis

Marques Mendes desafiou partidos a proibirem as pessoas condenadas por “crimes especialmente graves” de serem candidatas a eleições durante um período de dez anos.

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Em 2005, quando liderava o PSD, Marques Mendes impediu recandidaturas de autarcas do partido que estavam acusados de crimes Miguel Madeira

Em plena pré-campanha para as eleições autárquicas, Marques Mendes decide agitar as águas e desafia os partidos a proibirem que pessoas condenadas por “crimes especialmente graves, como a corrupção” sejam candidatas. A questão não é nova, mas os partidos apresentam diferentes soluções para lhe dar resposta, excluindo a de Marques Mendes.

“As pessoas condenadas por crimes especialmente graves, como corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal (…) não deviam ser candidatas a eleições, deviam ser impedidas por lei por um período, por exemplo, de dez anos”, defendeu Marques Mendes no domingo à noite no seu habitual comentário na SIC, referindo-se concretamente ao caso de Isaltino Morais.

Esta não é a primeira vez que o antigo líder dos sociais-democratas traz o tema para o debate político. Esta proposta chegou a ser apresentada por si na qualidade de presidente do PSD, mas nunca chegou a avançar. O também conselheiro de Estado fala de uma “lacuna na lei” e considera um erro, que deve ser corrigido, o facto de a legislação portuguesa permitir estas candidaturas. “Há uma lacuna na lei. Há 11 anos que defendi isso e todos os partidos concordavam”, declarou quase em tom de provocação. Nas autárquicas de 2005, quando liderava o PSD, Marques Mendes impediu as recandidaturas de Isaltino Morais e de Valentim Loureiro por este partido, por se encontrarem acusados de crimes. 

O PÚBLICO falou com os principais partidos políticos, tentou perceber o que pensam e apenas PCP e CDS recusaram pronunciar-se.

O PS tem uma posição muito clara. O vice-presidente da bancada parlamentar, Pedro Delgado Alves, começa por puxar da legislação para ressalvar que “o artigo 30 n.º 4 da Constituição determina que nenhuma pena pode envolver com efeito necessário a perda de direitos civis ou políticos. Daí não ser possível uma condenação ter como efeito automático a impossibilidade de candidatura, sendo, por isso, inviável a solução proposta”.

“O efeito automático de uma condenação não pode determinar a inibição de candidatura e foi nestes termos que Marques Mendes sugeriu”, observou o deputado do PS, que admite, contudo, que existem “outras modalidades que podem ser exploradas” em relação a esta matéria. Segundo Pedro Delgado Alves, o social-democrata “foca um assunto que é importante, mas volta a incorrer no mesmo erro (...) em que incorreu quando foi líder do PSD. O problema não é não haver uma razão de fundo relevante para o que está a dizer, o ponto não é esse”.

O deputado, que integra várias comissões parlamentares, incluindo a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, concede que a discussão é válida. “Era necessário uma reflexão, no sentido de se verificar até que ponto determinado tipo de ilícitos devem ou não merecer um juízo autónomo, volto a dizê-lo, autónomo, sobre se isto deve ter consequências no exercício de direitos civis e políticos. Agora não pode ter é um efeito automático, esse é oproblema”.

Do seu ponto de vista, “há um consenso no sentido de se olhar para esta circunstância e verificar o que é que no plano das condenações penais ou até de outra natureza" deve fazer com que alguém possa ser declarado inelegível. Mas o socialista insiste: "Não pode ser um efeito automático de mera condenação. Podem ser estudadas possibilidades, como, por exemplo, a de prever que, autonomamente, o juiz determine uma sanção acessória de inibição do exercício de determinadas funções num determinado período de tempo”.

Limites à elegibilidade

José Manuel Pureza, deputado do BE e vice-presidente da Assembleia da República, entende que “quem tenha cometido crimes que se prendam com o exercício de funções autárquicas ou que tenha uma relevância directa no exercício funções autárquicas deve efectivamente ter limites à sua elegibilidade”. “Encaramos como uma possibilidade analisar os termos concretos em que isso se possa verificar. Já não achamos que crimes que não tenham qualquer relevo específico para o exercício da função autárquica possam ser considerados para este efeito”, esclarece, em declarações ao PÚBLICO.

“Uma pessoa que cometeu crimes graves é punida com a lei e não se justifica que se aplique uma sanção acessória. Se, realmente, há um crime que de alguma maneira pode ser relevante para efeitos de exercício de funções do poder autárquico, acho que devíamos analisar e corrigir”, acrescenta o deputado do BE, frisando que “os crimes que se prendem com a gestão do erário público ou com a gestão de dinheiros públicos ou com do património público são relevantes”.

De resto, Pureza refere, que o “artigo 66.º do Código Penal já prevê sanções acessórias para a prática de certos crimes, designadamente para crimes graves que levam à cessação do desempenho de funções públicas”. E conclui com um remoque: “A referência de Marques Mendes não tem um alcance inovador, já o Código Penal prevê, em termos de regime geral, sanções idênticas àquelas que Marques Mendes defende”.

Paulo Rios de Oliveira coloca-se ao lado do antigo líder do seu partido. “Sem populismos ou 'caça às bruxas', acompanho as preocupações manifestadas por Marques Mendes”, afirma o deputado do PSD, sublinhando que a “lei já dispõe de diversas normas que impedem ou tornam inelegível quem pratique alguns crimes que, pela sua gravidade ou natureza, coloquem em causa a sua capacidade de se propor ao exercício de funções públicas”.

Sustenta ainda que “quem já deu provas (provadas e condenadas em sede própria) de não conseguir conjugar as palavras ‘lei’ e ‘dinheiro’ não tem condições - nem autoridade moral ou política - para gerir dinheiros públicos ou incitar ao cumprimento das leis”.

Tanto o PS como o Bloco não fecham a porta a uma discussão em sede parlamentar. “É perfeitamente possível. Neste momento não há nenhuma iniciativa sobre esta matéria, mas poderá, eventualmente, ser equacionada na Comissão Parlamentar de Transparência”, admite Pedro Delgado Alves.

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