Porque andam os navios de guerra americanos a chocar no Pacífico?

Quatro colisões em dois anos, mais de 20 marinheiros mortos, todos os acidentes na região mais estratégica e tensa do planeta. O comandante da 7.ª esquadra foi despedido, mas o aparelho militar dos EUA já perdeu credibilidade.

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O USS John McCain, onde morreram dez marinheiros EPA

A culpa é de Donald Trump que não sabe o que quer? Ou é de Barack Obama, que começou a fazer cortes no orçamento da Marinha, que se queixa de não ter dinheiro para missões mais curtas e reparações mais frequentes nos navios? A culpa é da atitude dos marinheiros americanos, que pensam que o sinal verde está sempre aberto para eles e não cumprem as regras de navegação? Ou é da falta de treino adequado para navegar na zona marítima com mais tráfego do mundo?

A Marinha dos EUA está a braços com uma crise e procura respostas para outra pergunta: porque estão os seus navios de guerra, com reputação de serem os mais poderosos e mais bem equipados do mundo, a colidir com cargueiros, petroleiros, barcos de pesca e até paredes? Mais uma: porque é que o acidentes são todos no mesmo sitio, a Ásia-Pacífico?

Os acidentes sucedem-se, levando os aliados regionais de Washington a questionar a capacidade dos EUA para os proteger, caso seja necessário.

Na segunda-feira, o contratorpedeiro USS John McCain navegava junto ao Estreito de Malaca quando chocou com um petroleiro e dez marinheiros estão mortos. O rombo no casco do navio fez entrar água numa zona de camaratas, numa parte da casa das máquinas e na sala das comunicações, que foram imediatamente estancadas para não haver risco de afundamento. Há dois meses, sete marinheiros morreram quando o seu contratorpedeiro, o USS Fitzgerald, chocou com um cargueiro japonês. Em Maio, o cruzador Lake Champlain chocou com um barco de pesca sul-coreano. E três meses antes, outro cruzador, o Antietam, encalhou e chocou ao atracar em Yokosuka, a sede da 7.ª esquadra, no centro da polémica. Esta quarta-feira, o comandante da frota desde 2015, o vice-almirante Joseph P. Aucoin, piloto da Marinha muito condecorado e à beira da reforma (ia retirar-se nas próximas semanas), foi despedido por a chefia ter perdido a confiança na sua liderança, segundo o comunicado da Marinha.

A Marinha é a bandeira do poder americano no Pacífico, o mar onde Washington e Pequim disputam o primeiro lugar no comércio mundial e medem forças sobre quem é mais influente. As bases militares que os EUA têm em toda a região são a fonte da segurança para os aliados e da vigilância para os inimigos e rivais, como a Coreia do Norte e a China, diz o New York Times numa análise ao que se passa no Pacífico. Por isso, "poucas imagens poderiam ser mais prejudiciais para a reputação americana do que a do USS John McCain a cambalear em direcção a Singapura", acrescenta o Times.

Fraqueza

A Marinha americana passa a imagem de estar enfraquecida na região onde enfrenta os maiores desafios à sua hegemonia e as maiores ameaças aos seus aliados — a imprensa do Japão questionava se os EUA ainda têm capacidade operacional para defender o país e perguntava se estes acidentes são a confirmação de que a Administração Trump não está a cumprir os compromissos de defesa que os EUA assumiram depois da II Guerra.

Porém, em Washington, minimiza-se o significado político dos acidentes na Ásia-Pacífico e centra-se a discussão no enfraquecimento da capacidade bélica americana.

"Estamos a exigir muito aos homens e às mulheres da Marinha. As missões são cada vez mais longas e há cada vez menos tempo e dinheiro para manutenção dos navios. Tudo isto pode estar na origem destas colisões", disse à CNN o presidente da comissão das Forças Armadas da Câmara de Representantes, Mac Thornberry, referindo que nos últimos anos o orçamento da Marinha teve cortes significativos. "E estas são as condições que podem levar a um aumento destes acidentes", advertiu.

Os analistas de defesa dizem que os cortes no orçamento comprometem também o treino militar, cujos padrões baixaram e deixou de ser adequado às missões — é preciso treino adequado para manobrar um navio de guerra de grandes dimensões em águas tão povoadas como as da Ásia-Pacífico. Relatórios feitos após as primeiras colisões apontam para erros humanos e na imprensa surgiram análises a questionar a qualidade das tripulações que, perante navios de grande porte como cargueiros ou de um cais de embarque, não souberam evitá-los.

Para os militares, todas estas perguntas vão dar a uma só: que tipo de resposta poderá esta Marinha dar caso seja necessário entrar em acção?

Está em curso uma investigação alargada e foi decretada uma pausa global nas operações — cada comandante escolherá um dia para parar o seu navio — para se fazer uma avaliação às capacidades de patrulha e reacção. Vão ser revistos todos os factores, explicou o almirante na reserva John Kirby. "Vão olhar para a qualidade da liderança a todos os níveis, para a qualidade do treino, verificar os procedimentos de segurança a bordo e a capacidade de resposta dos equipamentos. E suspeito que também terão em consideração até que ponto a incerteza no orçamento dos últimos anos afectou estes factores".

Para os chineses, porém, não é por qualquer destas razões que os navios de guerra americanos andam a chocar com outras embarções no Pacífico — trata-se de um problema de atitude, dizem. "Porque é que estes acidentes acontecem uma e outra vez? A semente é a atitude arrogante, mal criada, irresponsável e egoísta da Marinha americana", escreveu o Diário do Povo. "Eles não respeitam as leis internacionais para evitar colisões e é isso que está na origem dos acidentes", prosseguia, acusando os americanos de não cumprirem as regras básicas da navegação.

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