Sobre a noite passada: A Guerra dos Tronos, de joelhos sobre o gelo

Beyond the Wall foi o princípio do fim. E o episódio mais longo de sempre da série baseada nos livros que George R. R. Martin ainda não acabou.

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Este texto contém spoilers sobre o episódio Beyond the Wall

Beyond the Wall, o penúltimo episódio da penúltima temporada de A Guerra dos Tronos, é o mais longo de sempre da série. Não esperava ter de lidar com o facto de um leak o ter posto na Internet já na semana passada, mas sim com o eterno dilema de vida ou morte das personagens, quando um crescendo de sete anos antecipa um clímax de uma mão-cheia de horas. O resumo: sete magníficos entram num lago de gelo e... no fim ganham aqueles que vêm do frio e que jogam com a eficácia da Alemanha.

O episódio que passou segunda-feira à noite no SyFy e que alguns fãs puderam ver online antes da estreia tem os “tais” ingredientes Guerra dos Tronoscenas de acção-espectáculo e a angústia das equipas que, independentemente das suas tácticas, enfrentam os mais eficientes vilões do jogo dos tronos. Neste caso, a selecção que vive para sempre, os olhos azuis que todos temem enfrentar. Mas também embalou o público com um dos seus expedientes favoritos, o emparelhar de personagens. “Somos soldados”, resume Beric Dondarrion a Jon Snow, com o propósito narrativo de um velho sábio que quer guiar o jovem discípulo, e não lutam pelo trono. Lutam pela “vida. A morte é o inimigo. O primeiro e o último inimigo... O inimigo ganha sempre. E temos de o combater”. Tudo para “manter os outros vivos. Podemos defender aqueles que não se podem defender”.

O género de A Guerra dos Tronos sempre foi claro – uma série dramática de fantasia. O propósito do seu autor literário, George R.R. Martin, sempre foi expresso - subverter as convenções, perverter os heróis, converter os vilões e dar aos seus seguidores um fim “agridoce”. Foi o que prometeu para a A Canção de Gelo e Fogo. Depois de muitas temporadas e livros a enterrarem a magia na geopolítica, e chegada à beira do precipício, a série baseada na saga que Martin ainda não acabou tem uma tarefa quase tão difícil de cumprir quanto ter sucesso ao seguir os conselhos desavisados de Tyrion Lannister: terminar uma história que quer ser diferente, contando apenas com algumas pistas do pai mas inebriada pela sede da mãe de todas as tentações – o público.

A transformação de um dos aliados do fogo numa arma de gelo, ou a morte e a ressurreição de um dragão no final dos 70 minutos do episódio, é descrita assim por D.B. Weiss, um dos dois argumentistas e autores televisivos da série: é um “momento que agrada a todos e um ‘oh merda!’ para toda a gente”. Num dos vídeos que acompanham o final de cada temporada, Weiss e David Benioff falam da inspiração no filme de Robert Aldrich, Doze Indomáveis Patifes (1968), depois de terem já evocado Os Sete Magníficos (1960), e mostram a complexidade da filmagem, entre gelo em Belfast e a alienígena Islândia, além dos ecrãs verdes para acrescentar os efeitos visuais. Contam ainda que, apesar de terem escrito todo o episódio, o realizador Alan Taylor conseguiu fazer com que pensassem, como espectadores, “que Tormund ia morrer”. É uma das personagens secundárias mais queridas dos fãs e os guiões têm sabido retribuir esse apreço. Nomeadamente mantendo-o vivo.

Em Beyond the Wall, o sexto episódio de sete da sétima temporada de oito, o herói finalmente cedeu à pressão e dobrou, ainda que verbalmente, o famigerado joelho. Independentemente “das estranhas escolhas” que levaram um grupo de personagens centrais ao confronto no gelo, escreve Jeremy Egner no New York Times, “eu gostei, porque teve algumas das personagens mais simpáticas da série a negociarem o estonteante nó de ligações entre elas, o que gerou conversas divertidas”. Há um par de semanas, o Guardian questionava-se se tinha visto um dos melhores episódios de sempre da série. Continua, escreveu entretanto Luke Holland no mesmo jornal, a ser “a melhor série a dar na TV” mas é “uma pena que agora também seja uma das mais doidas”. As opiniões dividem-se, mas continuam enfeitiçadas por A Guerra dos Tronos.

Perdidos que estão um dragão, um sacerdote vermelho e um tio morto-vivo, há quem rogue no Twitter pela saúde dos que restam e agradeça a sua continuidade no reino ficcional dos vivos. Num episódio-chave que não teve a reacção quase unânime de outros, houve interlúdios mais realistas no reino nevado de Winterfell, onde não há irmandade que resista a um dedinho intriguista. Um novo dado sobre como se pode exterminar a némesis e seus acólitos ribombou.

Mas há também fãs profissionais como Joanna Robinson, da Vanity Fair, que lamentam: “Para uma série cuja reputação se alicerçou em tempos no facto de matar qualquer um a qualquer altura, A Guerra dos Tronos tornou-se surpreendentemente ineficaz na sua velhice”. “A Guerra dos Tronos já não é um comentário único e subvertido à fantasia como género. É só fantasia pura e dura”, “fantasia convencional”, frisa o título da crítica Alison Herman no site The Ringer. Algumas vítimas que os espectadores se habituaram a temer – e a ver confirmadas – passaram a ser poupadas.

Nas últimas seis semanas, e sob ataque de piratas (informáticos) e má fortuna (também informática), discute-se se a série da HBO, um fenómeno que continua a crescer em números, pode escolher à vez entre espectáculo e consistência. Mas como escreveu esta segunda-feira no PÚBLICO Miguel Esteves Cardoso talvez seja “preciso mesmo ver” A Guerra dos Tronos para se perceber o fenómeno, seja por ser complexo, endinheirado ou só para apreciar puro entretenimento e diversão.

Por cada reunião há um piscar de olho ao público, o chamado “fan service”, das referências a relações amorosas desejadas às referências ao que os espectadores escrevem nas redes sociais sobre personagens particularmente populares. Por cada plano fast food – por oposição aos longos ordálios cozinhados ao longo de anos – surge uma batalha para os anais ou um momento emotivo nuclear. Mas se “uma queixa sobre esta temporada de A Guerra dos Tronos tem sido sobre quão rápido as personagens se têm movido no mapa, e de como por isso a série não lhes tem dado tempo para se desenvolverem como pessoas”, neste episódio muito discutido, defende Alyssa Rosenberg no Washington Post, “a marcha de Jon [Snow] para lá da Muralha estava cheia desses momentos, e ainda bem”.

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