Elite brasileira traz novos negócios para Portugal

Este ano já foram emitidos 164 vistos gold para a maior comunidade de estrangeiros a residir no país, os brasileiros. Esta vaga, com dinheiro e estatuto, está a criar novos negócios: empresas que lhes tratam do dia-a-dia, consultores que lhes ensinam a ganhar dinheiro em imóveis.

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A sala de jantar inteira, o quarto dela e o do filho, os móveis de design, a colecção de 90 quadros com fotografias originais, os serviços de louça, os lençóis. Tudo. A vida de Cristiane Rondon chegou a Lisboa por mar em Dezembro de 2016 dentro de um contentor com 40 metros cúbicos. Estava ali o que juntou ao longo dos seus 51 anos e que até então enchia o apartamento de 250 metros quadrados no condomínio no bairro nobre dos Jardins, em São Paulo, onde vivia. Para trás, deixou apenas os electrodomésticos. Vendeu o imóvel e mudou-se para Portugal com o seu filho de 14 anos. Alugou uma casa em Cascais, onde está agora à procura de uma outra para ficar a viver. No Brasil trabalhava na área financeira e, nos últimos anos, especializou-se em gerir fortunas.

“Agora, em vez de tratar do dinheiro dos meus clientes, vou gerir as suas casas aqui em Portugal”, conta, explicando que muitos estão a mudar-se também ou a comprar casa em Lisboa e arredores. Trata-se de uma elite económica e social que está a sair do Brasil e a escolher Lisboa e Porto para viver e, assim, fugir da falta de segurança e da instabilidade política e financeira que se instalou do outro lado do Atlântico. Ao mesmo tempo, vêem Portugal como um local ideal para investir e ganhar uma entrada para a Europa. Com isto, vão surgindo, especialmente em Lisboa, novos negócios dedicados a estes brasileiros com dinheiro e estatuto social.

O Consulado-Geral do Brasil em Lisboa confirma o fenómeno. “Há uma nova leva de imigrantes brasileiros, bem diferentes das anteriores. Têm um nível económico e social elevado e vêm em busca de uma vida mais tranquila e segura”, refere a cônsul-geral adjunta, Maria Rita Fontes Faria, acrescentando que, apesar de terem dinheiro, estes brasileiros não o podiam aproveitar devido à violência e à crise política brasileira. “Aqui não andam com vidros à prova de bala”, resume.

As estimativas, segundo o consulado, apontam para que neste momento residam em Portugal cerca de 85 mil brasileiros com documentos — dos quais, 55 mil na área de jurisdição do Consulado de Lisboa, que abrange os distritos de Castelo Branco, Leiria, Lisboa, Portalegre, Santarém, Setúbal (excepto os municípios de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém, Sines), Açores e Madeira. Se se contabilizarem os imigrantes com outro perfil, os irregulares, então as estimativas chegam a mais de 120 mil.

“O Brasil lidera a lista de nacionalidades estrangeiras residentes em Portugal”, refere a responsável diplomática. Esta realidade vem descrita no Relatório de Imigração Fronteiras e Asilo, de 2016, cuja divulgação está prevista para este mês. Segundo adiantou ao P2 o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o “documento confirma a tendência de crescimento do fluxo de novos cidadãos brasileiros que procuram Portugal para residir, tanto em 2016 como já no primeiro semestre de 2017, em que se nota um claro aumento, continuando a ser a primeira nacionalidade no cômputo dos residentes” no país.

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Número de vistos dourados disparou

A chegada constante de compatriotas levou Cristiane Rondon, que se movimenta nestes círculos de classe alta, a apostar num negócio exclusivo para esse fenómeno: “Faço a realocação de brasileiros.” Com uma sócia, que ficou no Brasil, ajuda quem se está a mudar para Lisboa, tratando de todo o processo, seleccionado e catalogando os bens a transportar, ajudando a trazer os animais de estimação, promovendo a instalação de água, luz, etc. Ao mesmo tempo, Rondon montou uma empresa com o seu nome para gerir o dia-a-dia de quem transferiu a vida para a capital portuguesa, cidade que ela conhece bem por há 20 anos ser o seu destino de férias. Procura a melhor zona para os clientes morarem, tendo em conta os vários perfis, encontra as escolas ideais para os filhos dos clientes estudarem e trata da decoração. Neste momento, está a trabalhar com detalhe na vinda de uma família inteira em 2018. 

“Há também alguns brasileiros que compram casa em Lisboa, mas só passam aqui algumas temporadas”, acrescenta, explicando que nesses casos ela resolve tudo durante as suas ausências, como pagar as contas ou abrir a correspondência. Muitos decidiram investir por causa da autorização de residência para actividade de investimento (ARI), vulgarmente conhecido como “visto gold” — um programa lançado em 2012, a que os brasileiros chamam “golden visa” e que concede a estrangeiros que invistam no país uma autorização de residência que lhes permite, ao fim de seis anos, pedir a nacionalidade.

Luciana Trajano, de 37 anos, foi uma das primeiras a usarem este mecanismo para captar investimento. Em 2014, quando se mudou para Portugal e recorreu ao visto dourado, apenas outros 51 brasileiros o fizeram. E no ano anterior só 13 o tinham solicitado. De acordo com dados avançados pelo SEF, os números dispararam nos últimos tempos: passaram daqueles 13 em 2013, para 142 em 2016. E este ano bateu todos os recordes — só nos primeiros cinco meses de 2017, o Governo emitiu 164 vistos destes. Ao todo, já 423 brasileiros o obtiveram. À sua frente apenas estão os chineses, a quem o Governo já deu 3428 autorizações de residência deste tipo.

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Em 2014, Luciana Trajano (à dir. na foto) levou um ano e três meses para obter o seu visto gold. Com Mariana Roque do Vale montou uma empresa que agora ajuda brasileiros a procurar casa, advogado, médico ou arquitecto

“Quando decidi mudar-me e investir num imóvel em Portugal, os meus amigos, no Brasil, olhavam para mim e não percebiam a minha opção”, recorda Luciana, que até então era publicitária. Sabia que queria sair do seu país e o facto de ter um namorado português ajudou-a a escolher o destino. Mas foi apanhada no meio do escândalo do vistos gold que, em 13 de Novembro de 2014, levou à detenção de várias pessoas por suspeitas de corrupção na atribuição desses vistos — e cujo julgamento teve início este ano, num processo que envolve o antigo ministro Miguel Macedo, o então presidente do SEF e o director do Instituto de Registos e Notariado. “Por causa disso, o deferimento do meu visto demorou um ano e três meses”, recorda Luciana Trajano, explicando que, nessa altura, e com o Brasil cada vez mais afundado numa crise política, muitos dos seus amigos começaram também a mudar-se para Lisboa.

Aliás, por todos lhe pedirem opinião sobre a melhor forma de conseguir o visto gold e lhe solicitarem todo o tipo de dicas, juntou-se a uma amiga portuguesa, Mariana Roque do Vale, e, a pensar na nova tendência, montaram também elas um negócio — a empresa Lisboa Se Faz Favor. “Ajudamos a obter os vistos gold e outros documentos, mas também procuramos casa para eles e arranjamos-lhes advogado, médico, arquitecto ou até headhunters”, conta Mariana, dizendo que quase todos os meses surgem clientes do Rio de Janeiro, São Paulo ou outras cidades.

Muitos têm elevada capacidade financeira. Até Abril, 32 brasileiros receberam visto gold por terem transferido, no mínimo, um milhão de euros para Portugal; num total de 33.852.788,48 euros, de acordo com dados do SEF. E outros 123 compraram imóveis de mais de 500 mil euros cada um. A corrida aos imóveis levou a que muitos arquitectos começassem a desenhar casas à medida dos novos clientes. “Como sabem que os brasileiros gostam muito de suítes, estão a construir apartamentos em que todos os quartos têm banheiro”, conta Luciana Trajano, explicando que outra das apostas tem sido nas grandes varandas, fazendo lembrar os prédios brasileiros.

Com base naquilo que os clientes lhes costumam solicitar, Luciana diz não ter dúvidas de que, além da luz, do clima e da facilidade da língua, gostam da autenticidade portuguesa: “Das tradições, dos azulejos, das comidas das tascas, do pão alentejano, da senhora da Rua da Rosa que às quartas-feiras vende queijos artesanais. Tudo o que não há no Brasil.”

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Os brasileiros gostam dos bairros históricos e o Chiado é um dos eleitos para alugar ou comprar casa. É o caso de Ana Maria Diniz, filha do magnata Abílio Diniz, que liderou o grupo Pão de Açúcar, ou da arquitecta Fernanda Marques nuno ferreira santos

Chiado atrai milionários

Um dos bairros mais procurados é o Chiado. Foi aqui, segundo o jornal Folha de São Paulo, que comprou casa a milionária e herdeira da Camargo Corrêa, Regina Camargo, de 66 anos, cujo nome apareceu associado à Lava-Jato — a mega-operação iniciada em Março de 2014 que expôs uma teia de desvios de dinheiros públicos, concursos públicos pré-combinados e pagamento de subornos e que envolve altas esferas políticas e empresariais. Também a arquitecta brasileira Fernanda Marques adquiriu com o marido, em 2014, um apartamento de 140 metros quadrados num prédio do século XVI nesta zona. Esta última abriu também um escritório em Lisboa, além dos que tem em São Paulo, em Londres e em Lausanne.

Os brasileiros gostam dos bairros históricos. Ana Maria Diniz, filha do magnata Abílio Diniz, que liderou o grupo Pão de Açúcar, comprou uma casa num edifício remodelado, na Rua de São Mamede, junto à Sé de Lisboa e a poucos minutos do Chiado, onde costuma ir de vez em quando.

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José Luiz Nogueira, dono da produtora de filmes Fabrika, vive com a família perto da Sé (na foto, na varanda da sua casa) dr

Por cima, num apartamento que tem sete portas para uma enorme varanda com uma vista sobre Lisboa e o Tejo, vive outro brasileiro, o dono da produtora de filmes Fabrika, José Luiz Nogueira, de 57 anos. Deixou São Paulo e mudou-se para a capital portuguesa com a mulher e os dois filhos, em Julho de 2015. “Adoro Lisboa”, confessa. O seu caso não é comum. Vive em Portugal, mas continua a trabalhar no Brasil, onde se desloca algumas vezes ao longo do ano. “O mundo já dispõe de várias tecnologias que permitem viver numa cidade e trabalhar noutra. Isso será cada vez mais natural, a vida mudou em todo o planeta”, diz. E explica: “A tecnologia ajudou-me a cruzar o Atlântico. Uso um software de gestão que é português e, sem ele, não poderia morar aqui. O mundo está todo na nuvem, e o outro lado do Atlântico ficou mais perto.” Antes de optar por Portugal, ele e a mulher, Juliana Caus, ainda pensaram em França, onde chegaram a escolher um bairro para viver. Mas o receio do terrorismo, entre outros factores, dissuadiu-os.

Um dia, quando estavam num café na capital francesa, tiveram uma conversa que foi decisiva. “Zé, você tem certeza que é Paris, você imagina os seus filhos morando aqui?”, perguntou Juliana ao marido, que admitiu que não os imaginava a crescer ali, pois os “franceses nem gostam muito de crianças, além de haver trânsito, conflitos étnicos e atentados”.

“E foi aí que ela me fulminou quando me sugeriu: ‘Por que não Lisboa? A cidade é linda, não é tão grande como Paris e o clima é maravilhoso’.” José Luiz Nogueira acrescenta que não demorou muito tempo até perceber que Juliana tinha razão. “E entendi Lisboa melhor quando velejei no Tejo. Vista do rio, a cidade parece um presépio, com os seus vales e colinas.”

No momento em que começou a abrir as caixas que vieram de contentor com os livros, quadros, brinquedos dos filhos e roupas, Luiz percebeu: “Portugal era agora o nosso novo lar.” E recorda que, depois de passarem um dia a arrumar, ele e Juliana foram com os filhos, Arthur, de 13 anos, e Felipe, de 10, passear a pé por Alfama, onde jantaram para comemorar. José Luiz e a família não precisaram de visto gold, pois Juliana Caus é Italiana e tem por isso passaporte europeu.

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Gozar a reforma 

O mesmo sucedeu com Michaela de Charbonniers, filha de holandeses, que se mudou do Rio de Janeiro para Lisboa com o marido, o francês Antoine Charbonniers, de uma família de diplomatas. Antiga produtora musical e colaboradora do Rock in Rio, Michaela tinha decidido que, quando atingisse os 60 anos e os filhos estivessem todos independentes, iria sair do Brasil para gozar uma reforma mais tranquila. No ano passado vieram residir para Lisboa e optaram por comprar um imóvel junto ao Castelo de São Jorge. Para a decisão contribuiu a mudança que Michaela viu a cidade sofrer.

“Dantes, quando vinha cá, achava que era um pouco triste. Hoje está tudo muito elegante, os prédios antigos estão todos a ser reconstruídos, mantendo-se o estilo tradicional, como os azulejos”, nota Michaela, que tem aproveitado para experimentar as tradições portuguesas. “Adoro comer bacalhau à Brás e ouvir fado”, diz, contando que já escreveu duas letras para serem cantadas por uma fadista. O casal tem passeado por várias cidades e já conheceu, entre outras, Aveiro, Óbidos e Coimbra — e é costume acolher na sua residência amigos brasileiros, alguns que estão de mudança.

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Michaela de Charbonniers com a amiga Andrea Fasanelo, que está à procura de espaço para um showroom que reúne peças de design do pai, Ricardo Fasanelo.

Recentemente, recebeu em casa a amiga Andrea Fasanelo, filha do conhecido designer brasileiro Ricardo Fasanelo. A carioca, de 50 anos, está a instalar em Lisboa o negócio de família e a lançar a marca de móveis criada pelo pai. “A ideia é fazer de Portugal a base para a Europa”, explica Andrea, que nos últimos meses veio várias vezes a Lisboa à procura de um espaço para instalar o seu showroom.

“Mais tarde, penso fabricar as peças aqui”, adianta, estando previsto mudar-se em 2018, deixando o Rio, onde vive e gere o atelier do pai e onde montou uma escola de moda para jovens carenciados na favela do Vidigal. Andreia — formada em História e que estudou também Literatura Francesa na Sorbonne e Arte na Inch Bald School of Arts, em Londres — conta que o advogado está a analisar a melhor forma de mudar de país, admitindo poder recorrer ao mecanismo do visto gold. Enquanto isso não acontece, vai-se reunindo em Lisboa com vários arquitectos, como Tiago Bernardes, um brasileiro que além dos escritórios em São Paulo e Rio de Janeiro abriu um atelier na capital portuguesa, no Príncipe Real.

Moda, cultura e arte no palácio

Com os brasileiros estão a chegar muitas marcas do outro lado do Atlântico. A Tapioca tornou-se uma nova aposta gastronómica, existindo já em várias lojas, e surgem regularmente marcas de roupa e outros produtos daquele país. Aliás, em pleno Príncipe Real, quando se atravessa o n.º 42 da Rua da Escola Politénica, entra-se no Brasil. Melhor, garante Rui Gomes Araújo, o dono do espaço: “Entra-se no verdadeiro Brasil e não naquele Brasil superficial que a maioria das pessoas conhece.”

Em mais de 500 metros quadrados, e nas 15 salas do Palácio Castilho, estão 17 marcas brasileiras ou de estética brasileira que mostram a arte, a cultura e a moda deste povo. Há roupa (Juliana Herc, por exemplo); biquínis e fatos de banho (Lenny Niemeyer), sabonetes (Granado), chocolates (Chocolates Q), arte, e design — com peças de artistas como Hugo França e Sérgio Henriques, entre outros. Os tectos trabalhados misturam-se com os candeeiros feitos com coco e do longo espaço sobressai o cheio a mar do Rio de Janeiro, que vem dos sabonetes.

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Desde Abril que Rui Gomes Araújo, um português trineto de brasileiros, tem um espaço inteiramente dedicado ao Brasil no Príncipe Real e que reúne 17 marcas

Inaugurado a 22 de Abril, exactamente a data em que a armada comandada por Pedro Álvares Cabral chegou àquele país, o palacete prepara-se para receber mais oito marcas novas. “Aqui há coisas desde três euros, como um sabonete, a 110 mil euros, como uma peça de Hugo França”, conta Rui Gomes Araújo, um português trineto de brasileiros. Nas paredes, descobre-se ainda uma exposição de fotografias do Instituto Moreira Salles, instituição com o maior acervo fotográfico do Brasil. Rui  Gomes Araújo quer transformar o espaço num local de encontro e por isso, em breve, vai abrir um bar-cafetaria com uma chef brasileira. E prepara-se para promover vários eventos culturais.

Muitos servirão para a elite brasileira, que vive ou vem à capital passar temporadas. É ali, no Príncipe Real, que Gilmar Mendes, juiz brasileiro do Supremo Tribunal Federal e que tem em mãos a operação Lava-Jato, comprou casa no ano passado. Costuma vir nas férias, nos feriados ou em fins-de-semana prolongados. “Acho um país agradável, com um povo cordial e um clima ameno, sem invernos muito rigorosos”, diz ao P2, explicando o que o levou a comprar casa. “Temos, como diz o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, uma comunidade de afectos. Também gosto de curtir um certo anonimato, que não tenho mais no Brasil, aproveito para caminhar pelas ruas, andar de bicicleta, conhecer as feiras e os mercados de antiguidades”, descreve, confirmando a ideia de que há cada vez mais cariocas e paulistas, entre outros, a optar viver ou investir em Portugal: “No nosso prédio, há cinco apartamentos. Três pertencem a brasileiros.”

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Gilmar Mendes defende que o Brasil deve “dar mais atenção às relações com Portugal” e garante que na sua área todos os anos se realizam eventos na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e em Brasília, no Instituto Brasiliense de Direito Público, “com o objectivo de discutir uma agenda comum aos dois países”.

A presença de parte da elite brasileira em Portugal faz com que aqui se realizem cada vez mais eventos sociais. Em Abril, Abílio Diniz fez uma festa para comemorar os seus 80 anos: juntou os amigos durante três dias no Hotel Penha Longa, em Sintra, e na lista de convidados estavam milionários, políticos e artistas. Aliás, Marisa Monte veio de surpresa para cantar.

Família refém em casa

O sucesso português é tal que uma das maiores empresas de consultoria do Brasil, a Empiricus, lançou recentemente um curso para os seus 130 mil assinantes saberem a melhor forma de ganhar dinheiro investindo em Portugal. “Aconselhamos a investir em imóveis. E há zonas onde o rendimento do investimento vale a pena, pois permitem rendas sobre o valor do património de 5 a 6% ao ano”, esclarece Renato Breia, de 31 anos, um dos sócios da empresa que há um ano e meio também se mudou para Lisboa, onde abriu uma filial. O bom investimento está a levar muitos a optarem por Portugal, mas não só. “Além de ser um destino seguro, ter uma moeda forte e a língua ser ideal, Lisboa está na moda”, diz Breia, garantindo que dez dos seus amigos estão também a mudar-se.

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Foi, entre outros factores, a insegurança que deu o empurrão definitivo a Aroldo Schulz, 48 anos, e à sua família para saírem de Curitiba, capital do estado do Paraná. Hoje vivem num condomínio perto de Lisboa. “Eu e as minhas filhas estivemos reféns na nossa própria casa [no Brasil]. Ficámos no banheiro enquanto uns homens de cara tapada nos roubavam tudo”, recorda a mulher, Andrea Schultz, de 41 anos, que ainda hoje se incomoda quando pensa naquelas horas de pânico. “Um deles olhou para mim e ainda me perguntou qual das minhas filhas queria que ele matasse primeiro se as coisas corressem mal.”

Mudaram-se para Portugal no final de 2014 e, após um período de adaptação, as duas adolescentes vão no próximo ano lectivo deixar o colégio privado e passar a frequentar uma escola pública. Em Curitiba, explica Andrea, isso seria impensável. Ela e o marido abriram, entretanto, em Carnaxide, uma filial da operadora de turismo Schulz, que tinham no Brasil. Especializaram-se em clientes brasileiros, quer os que estão cá quer os que desejam passar aqui férias. “Mostramos Portugal de norte a sul  e cada vez temos mais clientes”, refere Andrea. Os Schulz foram uma das primeiras famílias desta nova vaga a chegar a Portugal. Compraram uma moradia — que adaptaram fazendo três suítes — e todos aproveitaram o visto gold.

No país, segundo dados do SEF, nos primeiros quatro meses do ano já foram atribuídas 144 Autorizações para Actividade de Investimento a familiares de brasileiros que obtiveram o visto gold. Um valor que disparou a partir de 2013, ano em que apenas seis familiares solicitaram o documento.

Andrea e Aroldo pretendem ficar em Portugal para sempre. Por isso, quando puderem, vão pedir nacionalidade portuguesa. Tal como fizeram no ano passado 17.953 brasileiros, segundo dados do Consulado-Geral em Lisboa.

Cristiane Rondon também quer ficar a viver em Cascais, pelo menos, “nos próximos 25 anos”. Entre os brasileiros, há uns mais pessimistas, outros com maior esperança na recuperação do local onde nasceram, como José Luiz Nogueira. “O Brasil vive hoje uma crise moral, mas sou bastante optimista. Trata-se de um país com muitas riquezas, mais de 200 milhões de habitantes e uma dimensão de um continente”, afirma, desabafando: “Mas está sem rumo e, como já dizia Séneca: ‘Não há vento forte o bastante para quem não sabe para onde ir’.”

Esta reportagem encontra-se publicada no P2, caderno de Domingo do PÚBLICO

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