O dia do regresso à Rambla

Nas ruas de Barcelona, há quem não se tenha surpreendido com o mortal ataque de quinta-feira, que matou 13 pessoas. “Desde o atentado em Nice que penso nisso.”

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A Rambla voltou a encher-se nesta sexta-feira. Multidões voltaram a subir e descer a mais emblemática avenida de Barcelona, talvez com mais silêncio do que o habitual, olhando com olhos novos, aproximando-se dos memoriais às 13 vítimas do atentado de quinta-feira.

Alguns levam ramos de flores e esses são quase sempre diferentes da maioria: não são turistas, são barceloneses, daqueles que até evitam ir à Rambla, símbolo do excesso de turismo que os habitantes da cidade rejeitam. Nos últimos tempos até com mais veemência. Mas nada disso importa agora.

É Alicia R. quem o diz, avançando decidida com um ramo de rosas vermelhas e amarelas. A homenagem é à cidade, à Catalunha e a todos os que morreram.

Uns minutos antes de nos cruzarmos com Alicia e de a Rambla se ter tornado uma passsarelle de repúdio ao terrorismo, na Praça da Catalunha o minuto de silêncio tinha continuado com gritos de “não tenho medo”. “No tinc por”, assim em catalão. Se calhar o mesmo, ou parte daquele que apupou a bandeira de Espanha.

Não se consegue, no meio da confusão, chegar até à banca onde Oscar Suñe vende comida para as pombas que invadem a praça, bebidas, balões. Tinha assegurado que estaria um pouco antes do meio-dia, hora da concentração, na Praça da Catalunha no seu canto habitual, mais perto da entrada do El Corte Inglés. “Antes não! Não sei como vão estar as coisas.”

Às 14h30 está a arrumar a banca numa praça quase deserta, mas já fora do perímetro de segurança montado pelas autoridades. “Comecei a ver toda a gente a correr nesta direcção, vinda da Rambla, mas não sabia o que era. Fui ao telemóvel e, estando mesmo ao lado, foi como soube”, explica. “Depois veio a polícia e tive de deixar tudo como estava”.

Ficou até às 23h o mais perto que pôde, mas como continuava sem conseguir passar, desistiu e foi para casa. Quando percebeu que a segurança estava a reduzir-se tornou a sair e conseguiu chegar à banca, onde tudo estava espalhado mas os balões continuavam presos. Se ficou surpreendido com o atentado? “Não. Mas sempre pensei que fosse uma bomba, aqui por baixo, é tudo oco.” E é um hub de transportes: metro, ferrocarril, comboios. “Desde Fevereiro notei um aumento de segurança. Lá em baixo andavam sempre nove ou dez mossos d’esquadra [polícia catalã], aqui em cima a Guarda Urbana e havia sempre carrinhas paradas ali [aponta para o início da Rambla] e ali [o começo do Portal de L’Àngel].”

Nenhum barcelonês com quem nos cruzamos na noite do atentado – poucos, na verdade – se mostrou surpreendido. O taxista que nos transportou do aeroporto às 22h30 até três quarteirões acima da Praça da Catalunha, numa rua paralela ao Paseig de Gracià – uma viagem fácil porque as autoridades haviam aconselhado os habitantes a ficar em casa e, por essa razão, poucos carros circulavam nesta direcção – já tinha ideia de onde poderiam acontecer atentados numa “cidade que vive de turismo”. A Rambla, sim, mas também a Sagrada Família e Barceloneta, ímanes para turistas, claro. “Desde o atentado em Nice que penso nisso”, revela, “mas como evitar? Se se colocam obstáculos como circulam os carros de emergência?”

Certo é que Patrícia Molina, que vive no Eixample, a pouca distância da Praça da Catalunha, também passava por esta zona “depressa”. “Sempre pensei que poderia passar-se algo aqui ou na Rambla”, conta.

O dia que sempre temeu chegou e apanhou-a no trabalho. Saiu com medo e “parecia que avistava carrinhas brancas em todo o lado”. Já perto de casa, por volta das 19h, começou a ver tudo fechado ou a preparar-se para fechar – na padaria ao lado, a empregada lamentava-se por serem os únicos que iam manter-se abertos.

Um helicóptero pairou durante horas sobre a sua casa, um edifício perto do Paseig de Gràcia, as ambulâncias e os carros da polícia não paravam de se fazer ouvir. “Não conseguia nem falar ao telefone, tal o barulho.” Recebeu um e-mail da empresa, uma multinacional, a dizer que na sexta-feira estaria encerrada. E se saiu foi a medo, para ir a um mini-mercado aberto 24 horas. Já eram 23h e encontrou um cenário diferente: algumas esplanadas montadas, restaurantes cheios, embora muito menos gente a circular.

Na viagem do aeroporto, que estava calmo, apenas filas excessivas para os táxis que chegavam por vezes a conta-gotas porque os aerobus, que fazem a ligação precisamente com a Praça da Catalunha (última paragem), só iam até à Praça de Espanha. Havia uma normalidade aparente na cidade. Tal cenário só se desfazia na zonas de “fronteira”, onde as fitas de plástico cortavam a circulação de carros e peões e a polícia estabelecia controlos – do lado do Eixample, esse ponto era a Gran Via de las Cortes Catalanes.

Pelas ruas próximas, gente a dormir em bancos, em umbrais de portas, em jardins; recepções de hotéis lotadas; e gente aglomerada em volta das autoridades tentando perceber o que fazer. Turistas quase todos, uns com as malas, acabados de chegar à cidade, outros já instalados – outros a preparem-se para partir. Ou talvez não. A família de Ian Clement tinha voo de regresso, para Otava (Canadá), na sexta-feira de manhã, mas à meia-noite estava há horas sentada num banco. “A polícia disse-nos para esperarmos e nunca mais disse nada”, conta Ian, acompanhado da mulher e duas filhas adolescentes. O hotel é precisamente na Rambla mas eles estavam longe quando aconteceu o atentado. “Estávamos num autocarro turístico quando uma outra passageira nos contou o que se havia passado. Rapidamente a palavra espalhou-se e estávamos todos ligados ao telemóvel, sem saber se sair do autocarro, onde sair. Até que foi o próprio motorista a mandar-nos sair. Não sei onde estávamos, a cerca de 2,5 quilómetros daqui”, descreve. “Somos turistas, sentimos as coisas de forma diferente”, salienta a mulher, Aneta.

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