Que Prazer (es)?

A oferta diminui, a procura nem por isso. Em Agosto, os jornalistas do PÚBLICO contam histórias das carreiras mais concorridas nos transportes de Lisboa.

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jl jonatas luzia

Não é a primeira vez que te apanho. Foi, aliás, tal e qual uma “English girl in New York”, uma das primeiras coisas que me puseram a fazer quando cheguei a Lisboa no início do ano. Andar no 28E. 

Quando cheguei ao Martim Moniz ainda não eram nove da manhã e a fila que se estendia às tuas portas era suficiente para encher um eléctrico de turistas e deixar outros tantos ali à espera do próximo. Eu, que não te queria virar as costas, não tive outro remédio senão esperar por ti. 

Quem estava na fila começava a fazer contas. Ora, a este ritmo, já não dá para entrar neste. Se calhar, nem naquele. Talvez no seguinte, se entretanto, não cedermos ao cansaço. Enquanto a tua linha está apinhada, ninguém espera o teu parceiro 12E que, entretanto, apareceu, lançando a confusão entre os turistas. Não sabiam se haviam de entrar ou não. Uns correram para ele, outros deixaram-se ficar na fila. Outros optaram por mandar mãe e filho para um lado, pai e filha a guardar lugar na tua fila. 

Lá arrancaste, por volta das 9h30. E não sei como te sentes quanto ao facto de teres apontado a ti, velho americano, telemóveis sem conta. Lá estava toda a gente a começar a viagem de braços no ar com os smartphones a tirar-te fotografias. A ti e à vista, claro, que é bonita em Anjos, nas Portas do Sol, na Estrela ou em Campo de Ourique, onde haverias de acabar a viagem.

Não havia, decerto, mais portugueses naquele eléctrico. Porque, garanto-te, não ouvi em português mais do que o “bom dia” que dei ao teu condutor. E, sortuda, lá consegui um lugar numa das tuas janelas. Esperei 40 minutos, mas nem foi tão mau. 

Gostava de saber o que, se pudesses, terias dito à miúda de óculos verdes e de tranças louras, que não estava a achar muita piada à coisa. Sobretudo, quando já a meio da Calçada de São Francisco (para quem não conhece digo-vos que tem uma inclinação jeitosa), um carro impedia a tua passagem. Já deves estar habituado, mas o homem que te conduzia tocou tão impiedosamente a tua sineta para o carro sair ali da frente que saltámos todos. Ou quando chegámos ao Chiado e olhámos todos uns para os outros, em pânico, porque iam ter de caber mais pessoas. E couberam. E a tua viagem lá seguiu Calçada da Estrela acima. 

Sabes, ao longo de toda a viagem, não é muito fácil conversar. O barulho dos carris, o vento que entra pelas janelas todas abertas, faz com que as nossas palavras se percam.  

Chegámos, finalmente, ao teu destino. Os Prazeres, ali, à nossa espera, quando a maioria das pessoas tinha ficado na Estrela. E tenho uma reclamação. Fomos quase despachados do eléctrico com um “Finish! Let’s go, let’s go”. Para a frente que atrás vem gente, não é assim? Bem sei, mas, felizmente, desta vez tinhas à tua espera uma fila muito menor.

Às 10h35 lá partiste e comigo continuou a mesma família que já vinha junto à mim e que cobiçava o meu lugar à tua janela. Desta vez, não tive direito a esse lugar bonito. Mas sabia que ia voltar a passar por lugares bonitos como a “Plaza de Gracia” como uma turista chamou ao Largo da Graça, o Miradouro de Santa Lúzia, a Sé ou o Chiado. E que mal chegasse ali à zona do Castelo, que o teu condutor fez questão de assinalar, talvez pudesse recuperar o meu lugar à janela. E voltei ao Martim Moniz, onde quem ficou até ao fim da viagem seguiu para outras paragens. 

"Terminou! Finish! Finito! C'est fini!". De certeza que te sentiste orgulhoso quando lá chegaste: a tua fila já tinha quase 200 metros. Entretanto, percebo que me esqueci de tirar fotografias durante o trajecto que fiz contigo. Ó que pena que perdi uma oportunidade de “pintar” no Instagram. 

Esta é a segunda crónica da série semanal Agosto sobre Carris

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