Explicar o neopassismo

Talvez seja apenas a reação perante um diabo que era esperado e que afinal não veio.

Com o seu discurso na festa de Verão do PSD, Pedro Passos Coelho apresentou uma nova versão de si mesmo ao país. Há que procurar entender em que se distingue essa versão da anterior, e quais são as motivações que pode permitir explicá-la, se quisermos extrair sentido da evolução aparentemente errática do líder do maior partido da oposição.

O primeiro passismo tinha uma ideologia simples: o país tinha "vivido acima das suas possibilidades" e era preciso "empobrecer para ficarmos mais competitivos". No início da governação de Passos Coelho estes elementos convergiram numa ideia, "ir além da troika", de que só lentamente Passos se foi afastando quando entendeu quão politicamente tóxica ela era. A ideologia passista suscitou-me franca oposição, como a toda a esquerda e até a uma parte da direita, mas houve algo que nunca ninguém negou a Pedro Passos Coelho: ele acreditava naquilo.

O neopassismo, como poderíamos chamar à ideologia deste Pedro Passos Coelho 2.0, é completamente diferente. Estamos agora perante um conjunto de ideias em permanente mutação, incongruentes entre si e — o que é pior — dando a sensação de que o seu autor não acredita nelas e as usa de forma puramente oportunista.

Comecemos pelas reveladoras referências aos estrangeiros, segundo as quais "não pode vir para Portugal quem quiser" e se teria tornado mais difícil expulsar quem cometesse crimes no país. Pedro Passos Coelho quis deliberadamente suscitar uma associação entre estrangeiros e criminalidade, na senda do que faz o seu candidato em Loures, e em linha com o discurso dúplice dos xenófobos modernos. Contudo, está em completa contradição com as próprias propostas do PSD no debate sobre a legislação da nacionalidade. Senão vejamos: o que Passos critica na esquerda é o acesso à legalização de alguns milhares de pessoas que aqui trabalham e pagam impostos; mas foi o PSD que propôs (ao alargar os critérios de naturalização até à terceira geração de residentes fora do país) que passassem a ter acesso à nacionalidade portuguesa potenciais milhões de cidadãos estrangeiros. Nada contra; mas a incongruência é gritante.

Depois temos os ataques à esquerda por uma suposta "obsessão coletivista". Segundo Passos, com esta esquerda e em particular com este PS, Portugal ainda estaria em 1975. Passos sabe que está a falar de uma maioria de esquerda que cumpre com as metas do défice, sob aplauso das instituições da UE, o que torna as suas alegações bastante absurdas. Mas a cartilha que ele escolheu seguir é a do trumpismo; não interessa se alguém acredita no que ele diz (nem sequer ele próprio), o que é necessário é lançar qualquer acusação simplesmente para demonstrar que se é capaz de estar sempre ao ataque. Isso não é o que esperaríamos do anterior passismo, mas é o que devemos habituar-nos a esperar do neopassismo.

O que justifica esta nova atitude? Numa explicação caridosa, somente as próximas eleições. Passos sente alguns dos seus adversários internos a desejarem uma derrota que o possa desalojar da liderança do PSD e por isso endurece o discurso na esperança de mobilizar as bases mais conservadoras a irem votar. Numa explicação mais complexa, trata-se das perspectivas políticas de médio-prazo: onde antes o PSD tinha por garantido um PS sem aliados à esquerda, a geringonça mudou a política de tal forma que o PS tem agora vários caminhos para chegar ao poder e nele se manter. Isto deixa a liderança do PSD desesperada, e o desespero nunca é bom conselheiro. Ao invés de investir num discurso claro sobre a sua alternativa para o país, um PSD desesperado optará pela imitação da agressividade típica do populismo, com evidentes riscos para a saúde política de um país até agora imune a este fenómenos.

Numa terceira explicação, talvez seja apenas a reação perante um diabo que era esperado e que afinal não veio. Se assim for, devemos ter medo, muito medo. Por cada ponto a mais de crescimento económico que tivermos no país lá teremos nós de assistir a uma nova uma guinada de Passos Coelho para o território ideológico da extrema-direita.

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