Incêndios, a ministra existe para coordenar ou condenar?

Desde a primeira hora que disse e mantenho: a ministra devia ter-se demitido assim que o fogo de Pedrógão Grande foi extinto. Diante de uma catástrofe humana daquelas dimensões, seria um sinal de respeito pelas vítimas

1. Quase a raiar a hora dos jogos de Porto e Benfica, a ministra da Administração Interna deu uma conferência de imprensa para apresentar umas tantas conclusões de uns tantos inquéritos sobre o trágico incêndio de Pedrógão Grande. As conclusões adiantadas não surpreendem ninguém e confirmam a total desorientação daquela tarde e noite e dos dias que se lhe seguiram. Com efeito, tal conclusão podia já antever-se da miríade de questionários esparsos e inquéritos parcelares que o Primeiro-Ministro e a Ministra decidiram fazer e das versões sucessivas e contraditórias das declarações de ambos nestes dois meses. Embora fosse já evidente, foi reconhecida a gravíssima descoordenação das forças no terreno, sejam da protecção civil, dos bombeiros, das polícias, dos serviços internos do Ministério, dos responsáveis pelas comunicações ou até da emergência médica. O incêndio pode ter sido invulgarmente violento, mas a violência do fogo não justifica o grau de desorientação, de falta de coordenação e de atrapalhação que pautou a resposta das abnegadas forças de combate. 

A ministra quis mostrar que não hesita em abrir os procedimentos legais tendentes a responsabilizar quem haja falhado. E terá já aberto alguns, designadamente um que visa quem despacha directamente com ela e dela depende hierarquicamente. Uma coisa é certa: dois meses depois, a ministra está pronta para condenar! O que deve descansar muitas e fartas consciências por entre o Governo, os partidos que o apoiam e a linha editorial dominante na nossa comunicação social.

2. Nenhum dos corpos públicos envolvidos foi capaz de interagir de um modo articulado e integrado, com vista a dar uma resposta pronta e consistente aos gravíssimos riscos que tinha diante de si. Falhou o comando, falhou a coordenação, falhou a direcção. Parece elementar que as falhas de actuação da GNR sejam imputadas aos respectivos comandos e que as faltas da Autoridade Nacional de Protecção Civil sejam atribuídas aos seus dirigentes. Mas a responsabilidade pela coordenação dos múltiplos serviços e entidades chamados a responder em colectivo cabe directa e imediatamente ao vértice político-administrativo. Isto é, cabe à Ministra e aos seus secretários de Estado competentes em razão da matéria. Como pode uma ministra reconhecer que houve uma total falta de coordenação e tentar ignorar que a mais directa e imediata responsável por essa coordenação é ela mesma? Quem pode ter uma voz de articulação e de coordenação – senão mesmo de liderança – entre o comando da GNR, a direcção da ANPC e o SIRESP? Quando se fala em coordenação e em articulação, não está a falar-se apenas, nem principalmente, do combate no terreno, no momento em os riscos se materializam. Porventura, também aí, incumbe um papel ao vértice governamental. Mas todos perceberão que, nesses momentos de urgência, o papel do topo político-administrativo possa ser mais de acompanhamento e de desbloqueamento do que de comando, metro a metro, frente a frente, no terreno. A coordenação, a cadeia de comando e a cadeia de comunicação são estabelecidas, preparadas e oleadas a montante desse momento e aí a responsabilidade é exclusiva e directa do titular do cargo político-administrativo. Basta revisitar as declarações da ministra ao longo do ano – exaltando o grau exemplar de preparação para a época de fogos – para logo ver como essa coordenação permanente e de mais alto nível fracassou e fracassou clamorosamente. Mas a ministra que não foi nem é capaz de coordenar, não tira qualquer ilação da sua prestação e da do seu secretário de Estado. Deve estar convicta de que a sua função é mandar investigar para depois condenar; quando a função que aqui nuclearmente lhe pertence é coordenar. Se não é a ministra que tem de coordenar a acção de corpos tão diferenciados como a GNR ou a ANPC ou o SIRESP, ainda por cima todos debaixo da sua exclusiva tutela, quem deve coordenar? Algum director-geral, o secretário-geral do Ministério ou, como agora efabula o primeiro-ministro, o presidente da PT-Altice?

3. Desde a primeira hora que disse e mantenho: a ministra devia ter-se demitido assim que o fogo de Pedrógão Grande foi extinto. Diante de uma catástrofe humana daquelas dimensões, seria um sinal de respeito pelas vítimas, que honraria a prática comum nas democracias civilizadas do Ocidente. Não está em causa a pessoa da ministra que, embora não conheça, sei que é pessoa dedicada, proba, profissionalmente competente. Está em causa a função e a responsabilidade política e funcional. Essa demissão deveria ter sido acompanhada de um pedido de inquérito global, célere, liderado por uma personalidade independente de prestígio. Mas afigurando-se patente a generalizada falta de coordenação, como pode a ministra manter-se no cargo? Como? O argumento de há dois meses, tantas vezes repetido, de que era má altura para substituir a ministra por estarmos no início da época de fogos, provou não valer. Como eu temia, a ministra esteve todo o tempo concentrada na sua própria defesa. O drama que se tem vivido nas últimas semanas e, em especial, por estes dias, mostra bem que pouco se evoluiu depois de meados de Junho. E a inacreditável tirada populista do primeiro-ministro, típica de um Trump ou de um Maduro, de que a culpa é afinal da PT demonstra, ainda mais claramente, a que extremo é levada a cultura de irresponsabilidade política, administrativa ou até simplesmente cívica.

4. A tudo isto acresce uma outra anomalia: o duplo padrão da linha editorial dominante na comunicação social. Se a tragédia de Pedrógão houvesse ocorrido com um governo de centro ou centro-direita, tudo seria tão diferente. Ler certos editoriais, ver alguns títulos, percorrer reportagens mete dó. Esta duplicidade tem um preço e o preço é – disso daremos conta a prazo curto – a degradação dos nossos padrões de exigência cívico-políticos como comunidade.

 

SIM e NÃO

NÃO. Trump. Já não bastava a irresponsabilidade no gravíssimo caso coreano e a ambiguidade na condenação de movimentos racistas. A alusão a uma via militar para a Venezuela é totalmente inaceitável. 

NÃO. Judicialização das autárquicas. A democracia nada ganha com a judicialização do processo de apresentação de candidaturas. Está a banalizar-se, quando só pode e deve ser um instrumento de último recurso.

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