A doença holandesa da economia venezuelana

Façam os venezuelanos a mudança necessária no modelo económico do seu país.

A doença holandesa (“dutch disease”) duma economia consiste no crescimento excessivo do peso do setor dos recursos naturais à custa do decréscimo do peso do setor industrial. Esta designação foi criada pela revista Economist em 1977, para descrever o desequilíbrio verificado na economia holandesa, após a descoberta de gás natural no Mar do Norte, em 1959. O aumento significativo das exportações de gás natural originou então uma valorização acentuada do florim, tornando os produtos manufaturados menos competitivos, e levou a uma queda da produção industrial da Holanda. Deste modo, aquilo que pode parecer um bom acontecimento económico, o aumento da exploração de recursos naturais, pode ter um efeito perverso cuja dimensão faz com que o aumento inicial da taxa de crescimento seja anulado pelo declínio da atividade industrial.

Um fenómeno com estas caraterísticas ocorreu na Venezuela e os seus efeitos negativos estão a fazer-se sentir de forma muito acentuada desde 2015. Este país é, a seguir ao Kuwait, um dos maiores exportadores mundiais de petróleo, com uma produção da escala dos 2,5 milhões de barris diários. Esta circunstância permitiu-lhe beneficiar significativamente da subida dos preços do petróleo ocorrida na década entre 2005 e 2015. Com cerca de 30 milhões de habitantes, a Venezuela viu o seu PIB quase quintuplicar de cerca de 120.000 milhões de dólares em 2003 para 500.000 milhões de dólares em 2015.

Se não tivessemos em conta a base em que assentou o crescimento da economia venezuelana durante este período, em 2013 seríamos tentados a acreditar que a sua situação era saudável. A taxa de crescimento do PIB real entre 2011 e 2013 foi da ordem dos 3,7% por ano, e a dívida pública excedia ligeiramente 28% do PIB. O saldo da balança corrente (externa) foi excedentário até 2015, ano em que se tornou negativo (-1,1% do PIB). A extração de petróleo correspondia a cerca de 30% do PIB (e 95% das exportações), contra pouco mais de 15% do PIB para a indústria, um pouco menos de 10% para a agricultura e restante setor primário, e os restantes cerca de 45% para os serviços. Com esta estrutura da economia, a baixa do preço do crude não podia deixar de ser dramática para a Venezuela. Por isso, quando o preço do crude baixou de 100 dólares para 35 dólares o barril, entre o início de 2014 e o início de 2015, ficaram reunidas as condições para o que podemos chamar de tempestade perfeita.

Cumulativamente, o investimento teve uma quebra em 2010, recuperou em 2011 e 2012, mas voltou a ter quebras sucessivas a partir de 2013. A desvalorização do bolívar, associada à queda dos preços do petróleo, gerou um aumento dos custos das importações e, subsequentemente, um aumento dos preços internos que fez a taxa de inflação disparar de 29% anuais, durante o triénio 2011-2013, para 82% anuais durante triénio 2014-2016. Este aumento brutal da inflação, e a sua manutenção em níveis tão elevados, para além de corroer fortemente o poder de compra dos salários, prejudica o funcionamento normal dos mercados, pois incentiva o armazenamento especulativo, agravando as condições de obtenção de bens e serviços.

A hiperinflação e a escassez de moeda estrangeira contribuiram de forma conjugada para o crescimento do mercado negro de divisas, onde a moeda nacional, o bolívar, é negociada a valores muito inferiores à cotação oficial. Com efeito, enquanto a cotação oficial é 6,3 bolívares por dólar, no mercado negro a cotação chega aos 3000 bolívares por dólar. Já este ano o governo criou uma segunda cotação oficial, aplicada ao setor privado, o SIMADI, onde a taxa de câmbio anda na orla dos 200 bolívares por dólar. No entanto, este regime de duplo câmbio oficial é difícil de manter, dada a escassez de reservas cambiais da Venezuela, e o racionamento, que inevitavelmente lhe está associado, retira-lhe qualquer eficácia no combate ao mercado negro.

São, seguramente, o racionamento no mercado de câmbios oficial e o elevado custo das moedas estrangeiras no mercado negro que têm impedido que o défice externo atinja valores muito elevados. Mas o reverso do controlo cambial é a diminuição acentuada das importações de bens e serviços, relativamente ao período anterior ao da queda do preço do petróleo, e a quebra dramática da qualidade de vida da maior parte dos venezuelanos que ela traduz. Assim se compreende que as lutas de rua e a fuga da população tenham passado a fazer parte do quotidiano naquele país.

É incontornável o facto de que terminou definitivamente o modelo económico assente nas receitas do petróleo, que serviu de suporte tanto ao regime chavista como ao regime do Pacto de Punto Fijo que o antecedeu. A estabilidade na Venezuela e a capacidade de regressar ao crescimento económico só serão alcançadas através do investimento em setores com capacidade de exportação, que venham substituir a queda ocorrida no setor petrolífero. O investimento nesse tipo de setores, onde o turismo deverá ter um peso elevado, pode ter uma componente de investimento direto estrangeiro, mas implicará também o recurso a algum endividamento externo, nomeadamente para a construção de infraestruturas que esses sectores requerem. O recurso ao endividamento externo não é um problema para a Venezuela, dado que a dívida externa representa apenas cerca de 30% do PIB. Façam os venezuelanos a mudança necessária no modelo económico do seu país!

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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