Entre o mar que chama e um mundo para descobrir

Um rapaz que saiu da ilha. Uma rapariga que só pensa em sair. Dois que ficaram. Quatro histórias sobre como é ser jovem numa ilha, no meio do Atlântico.

Fotogaleria
Cristiana Freitas, 18 anos, vive em Santana, na Madeira. “Quero ir estudar para o continente.” Porquê? “É mundo que se ganha” Gregório Cunha
Fotogaleria
Catarina Gouveia, 21 anos, e Carlos Ferreira, 22, estudam gestão na Madeira Gregório Cunha

Na Rua República da Bolívia, em Benfica, mora alguém que sente falta do mar.

Luis Duarte Sousa tem 21 anos, dois dos quais em Lisboa. E quase duas décadas no Caniçal, ali, no extremo Leste da Madeira, onde os dias correm calmos, como a espuma do Atlântico que vai desembocando na praia da vila.

Desde cedo – não consegue identificar quando, “talvez no início do secundário” – que sentiu que o Caniçal, mesmo a Madeira, era demasiado curto para os seus sonhos. Com o liceu feito, fez as malas e aterrou na Universidade Nova de Lisboa, para estudar Ciências da Comunicação. Encontrou-se.

“Viver numa ilha, pode cortar as asas. Há falta de oportunidades, e mesmo quando o talento abunda – porque existem tantas, e tantas pessoas talentosas –, é difícil mostrá-lo”, conta Luís. Em Lisboa tudo é diferente, diz. Fala, com entusiasmo, do teatro. Dos espectáculos. Das pessoas. Da oferta cultural diversificada. Da geografia larga, em que o horizonte parece mais distante. “Sempre gostei de viver na Madeira. De estar perto do mar. Mas sentia-me preso ali”, acrescenta, lamentando o que ficou (por agora) para trás. A irmã, mais nova. A família. Alguns amigos. Aquele cheiro a mar, que abraça toda a ilha.

Viver na Madeira tem “coisas boas”. A temperatura ou a segurança de poder andar na rua despreocupado. Por isso alegra-se também com os regressos. Com as férias. Com as saudades que se mata. Com as idas à praia, só para ver aquele mar, que é tanto esperança, como barreira para jovens, como o Luís, que querem saltar mais alto.

Cristiana Freitas também quer voar mais. São 18 anos a viver em Santana, aquela das casas típicas madeirenses que enchem os postais turísticos da ilha. É no coração da Madeira, na freguesia de São Jorge, que sente a falta de tanta, “mas tanta” coisa.

“Quero ir estudar para o continente”, apressa-se a dizer. Porquê? “É mundo que se ganha.” Resposta pronta na ponta da língua. O exemplo da irmã sublinha a vontade de ganhar asas estudado longe do conforto de casa. “A minha irmã [Carolina, 24 anos] estudou no continente, e quando regressou notámos a diferença. Mais interesses, mais experiências.”

É isso que Cristiana quer. É isso que Carlos e Catarina procuram na Universidade da Madeira (UMa), o único estabelecimento de ensino superior público do arquipélago. Estão a estudar gestão. Conhecem-se do curso, e das andanças da associação académica, que integram.

Catarina Gouveia, 21 anos, é mais nova. Nasceu e cresceu na Ribeira Brava, um dos concelhos mais jovens do país. A média nacional é de 16% de população na faixa etária entre os 15 e os 24 anos. Na Ribeira Brava, a percentagem sobe para 20%, acompanhando a tendência das ilhas.

Segundo dados de 2015, compilados pelo Instituto Nacional de Estatísticas, dos 10 concelhos mais jovens, sete estão nos Açores e na Madeira. Como é viver numa ilha? “Eu sempre quis ficar por cá, nunca pensei em ir estudar para fora. Tenho aqui, em casa, junto dos meus amigos, tudo o que preciso”, garante, ajeitando-se na cadeira da esplanada do campus da UMa.

Ao lado, Carlos Ferreira, 22 anos, o curso de gestão acabado de fazer, acena que sim. “O que não temos aqui. O que não consigo encontrar no dia-a-dia, vou procurar nas férias.”

As novas tecnologias, a internet, a televisão por cabo, a profusão de centros comerciais, contribuíram para esbater a insularidade. Aproximaram o mundo dos jovens ilhéus, mas tanto Catarina como Carlos são realistas quanto ao futuro, e as poucas oportunidades que uma ilha oferece. "O curso de gestão é dos mais concorridos da universidade. São 50 alunos todos os anos. Não haverá lugar para todos”, observa a rapariga. Carlos interrompe. “É preciso ser flexível. Ser empreendedor." Ele tem uma porta já aberta, a empresa do pai. Mas se não funcionar, se não se sentir realizado, não coloca de parte procurar noutra geografia o que a Madeira não conseguir oferecer.

Catarina também. No próximo ano, quer fazer um Erasmus. Ganhar experiência fora do “ninho” e conhecer outras realidades.

Como Luis tem feito. Descobriu-se em Lisboa. Foi ali que começou um blog, onde vai relatando a vida na Rua República da Bolívia, e vai matando as saudades do mar.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários