Isabel Moreira: Um Verão para “continuar a sambar”

Se existisse um Verão da vida de Isabel Moreira, seria aquele em que se sentiu a lutar por uma causa. Em 2016 regressou à sua terra natal, o Brasil, para gritar nas ruas “Não vai ter golpe!”, tentando impedir a destituição da Presidente Dilma Rousseff. Era Inverno no Brasil, Verão em Portugal.

Fotogaleria
No centro do Rio de Janeiro Instagram de Isabel Moreira
Fotogaleria
Com o manuscrito original de Amor de Perdição, no Real Gabinete Português de Leitura Instagram de Isabel Moreira
Fotogaleria
Com a cantora Teresa Cristina Instagram de Isabel Moreira
Fotogaleria
Museu do Amanhã Instagram de Isabel Moreira
Fotogaleria
Instagram de Isabel Moreira
Fotogaleria
Na Praia do Leme. Rio de Janeiro Instagram de Isabel Moreira
Fotogaleria
No Canecão, mítica sala de espectáculos do Rio de Janeiro Instagram de Isabel Moreira
Fotogaleria
Instagram de Isabel Moreira
Fotogaleria
Com o escritor e humorista Gregório Duvivier Instagram de Isabel Moreira

Às 4h00 aparecia o sr. Adão na Praia Grande, em Sintra. “Nós corríamos para ver quem chegava primeiro”, lembra a deputada do PS Isabel Moreira. O objectivo eram as Bolas de Berlim, que chegavam quentes ao areal. É um bolo que as praias popularizaram e que o imaginário colectivo preserva como memória viva em cada época de banhos. “Ainda sinto aquele cheiro”, confessa.

Se as memórias olfactivas ainda estão presentes, as memórias visuais mais palpáveis (as fotografias) escasseiam. Na vida de Isabel Moreira, as imagens dos verões mais recuados ficaram onde tudo o que a marca se armazena – nas recordações. “Agora tiramos muitas fotografias, naquela altura não nos importávamos com essas coisas. Brincávamos, ponto.”

Quando lhe pedimos fotografias dos verões que a marcaram, confessa terá dificuldade em encontrar nas gavetas as imagens que a memória ainda guarda. A intensidade dos momentos acabava por fazer esquecer o registo fotográfico. E isto quando havia uma câmara disponível. “Não nos passava pela cabeça estar a correr, trepar às árvores pela Serra de Sintra e estar a tirar fotografias.”

A atitude de muitos é a de que no Verão se interrompam as rotinas. Para Isabel Moreira, no entanto, o difícil nesta época era não manter o hábito, já que não havia grandes alterações no seu calendário. Ou seja, “ir todos os dias para a praia e rezar para que não estivesse nevoeiro”. Os verões em família estendiam-se pela Praia Grande, nos arredores de Sintra. E quando o nevoeiro ou as ondas agitadas desta costa traiçoeira não permitiam banhos, havia a garantia de passeios alternativos, uma boa parte pelos trilhos e monumentos da serra.

A ânsia da chegada antecipada a uma juventude, vivida ao ritmo dos anos 90, levava a deputada do PS “a saltar varandas”. “A [discoteca] ‘Maria Bolachas’ tinha um porteiro difícil”. E essa era a justificação para uma rebeldia típica de alguém que apenas queria ser o que toda a gente foi: adolescente. Certo é que, às vezes, a expulsão da discoteca acabava por vir a acontecer.

Com o correr dos anos, o corte do cordão umbilical dos verões em família acabou por ser “uma transição natural”. Se bem que a ligação com o pai e a mãe nesta época do ano não desapareceu completamente: “Nunca passo férias sem ver os meus pais”.

A praia começou a ter outras geografias e outras pessoas a partir da maioridade. As semanas de férias com os amigos ganharam espaço e a Costa Vicentina, Cacela ou Sagres, no Algarve, passaram a fazer parte do roteiro. Traço comum era o facto de estes serem (ainda) lugares de pouca gente. “Não gosto de confusões. E gosto muito de sentir que estou a sair, de ter a sensação de viagem, de partida”.

O prazer da descoberta levou Isabel Moreira a querer viajar sozinha. “Sou escritora. Inspira-me”. A liberdade de não estar “presa a alguém” acabou por lhe dar também “outra visão” dos locais por onde passou, a contemplar tudo com o tempo devido.

“Não pertenço, por isso, a mais nenhum lugar até à verdadeira pátria que o meu coração elegeu, a Europa” – a frase não é de Isabel Moreira, mas do autor austríaco Stefan Zweig. Faz parte do prefácio daquele que a deputada considera ser “um livro assombroso”. Chama-se O Mundo de Ontem - Recordações de um europeu e é um livro de memórias transformado em retrato de um continente devastado pela brutalidade de duas guerras mundiais. Talvez sejam as memórias que a fazem viajar em busca de inspiração. “Gosto dessa descoberta”. E foi sozinha que voltou, no ano passado, ao lugar que a viu nascer e do qual partiu aos dois anos: o Rio de Janeiro.

Nadar no mar, todos os dias

Quando Isabel Moreira aterrou no Rio era Verão em Portugal, mas Inverno no Brasil. Havia (muita) política a acontecer num país que fervilhava nas ruas. O processo de destituição de Dilma estava ao rubro e na fase final. Foi “um golpe desenhado em moldes nazis”, escreveu então no Facebook a deputada socialista. No Rio de Janeiro, juntou-se a vários movimentos de esquerda. A cidade que diz adorar (e que lhe dá “paz interior”) acabou por se tornar “num local para a reflexão, com momentos políticos” pelo meio.

A meio do ano passado, era Verão em Portugal e Inverno no Brasil, Isabel participou na ocupação do Canecão, uma sala de espectáculos do Rio tomada por grupos contra a destituição da Presidente e em defesa da cultura e da democracia. “Um sítio de resistência”. Durante as manifestações, Isabel Moreira também foi falar a um palco que recebeu nomes tão grandes como os de Chico Buarque e Zélia Duncan, ou tão populares como o do humorista e escritor Gregório Duvivier. Juntos gritaram “Fora, Temer!”

“Nunca foi tão importante ser de esquerda”, disse a deputada socialista na noite de “Ritual Satírico de Escracho Histórico” organizada pelo movimento “Ocupa MinC”. Uma “noite de contragolpe”, como foi apresentada. “Nasci no Brasil, sou portuguesa, mas hoje sou brasileira, porque sou de esquerda”. “Usando a força da palavra contra a palavra do poder”, num curto discurso, durante o qual as mãos que seguravam o microfone tremiam de nervosismo, Isabel desejou “uma vitória” do Brasil, “demore o tempo que demorar”.

Depois da luta política (e de alguma praia), Isabel Moreira despediu-se do Brasil no Instagram, com um “continuamos a sambar” e com a certeza de um “até já”. Foi “o Verão de uma vida”. Mas não foi a vida num Verão. Na verdade, confessa ao PÚBLICO, as coisas mais importantes da sua vida não aconteceram nesta época do ano. Como deputada está limitada a tirar férias em Agosto. Mas admite que se pudesse escolhia outra data.

A praia é, ainda assim, paisagem constante ao longo do ano. A areia e os tons de azul do mar enchem o feed de Instagram que dedica às imagens do seu quotidiano. Fosse Isabel Moreira fonte de inspiração para a sabedoria popular e a expressão “um peixe fora d’água” teria sido a definição criada para alguém como ela, que revela que “se pudesse nadaria uma hora todos os dias no mar”.

Sugerir correcção
Ler 7 comentários