Pedrógão: Evacuação foi feita às cegas e sem coordenação

GNR andou às voltas sem ter informações. Protecção Civil diz que houve 37 pedidos de socorro não atendidos. No cruzamento dos relatórios, há provas de descoordenação entre as várias entidades alimentada pelas falhas nas comunicações.

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Adriano Miranda

Foi a própria ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, a pôr o foco na actuação da Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC) naquela noite de 17 de Junho, dizendo que houve uma "descoordenação no posto de comando da ANPC" e na sua relação com os restantes agentes. No cruzamento dos relatórios, percebe-se que a falta de articulação se passou não só ao nível do combate ao incêndio, mas também nas estratégias de defesa da população. A GNR relata situações em que andou às voltas nas estradas de Pedrógão sem ter informações e em que decidiu "autonomamente" evacuar pessoas. E a ANPC refere que a evacuação nem sempre era a decisão "adequada".

Desde o início do incêndio, às 14h43, até às 22h, a GNR agiu quase sempre sob sua conta e risco, cortando estradas consoante a avaliação que fazia do perigo e evacuando pessoas quando se deparava com as situações de risco, sem que tivesse recebido qualquer indicação de acção preventiva ou reactiva por parte do posto de comando da ANPC. No relatório da GNR são descritas várias situações em que militares da GNR receberam indicações (através da sala de situação de Leiria, onde chegavam as chamadas do 112) para ajudarem pessoas e que foram os próprios a tomar decisões de retirada de habitantes ou de corte de determinadas vias, "efectuando autonomamente as evacuações em causa". Pelas seis da tarde, um cabo da GNR evacuou um homem e quatro crianças da aldeia de Casal das Freiras; outro cabo "esvaziou" um viaduto onde estavam populares a ver o incêndio e, ao todo, a GNR dá conta da evacuação de seis povoações.

Tudo feito, conta um major responsável, com informações que recebiam do 112 "quando possível", uma vez que os militares andavam às escuras: "Face à falta de comunicações, as patrulhas passaram a movimentar-se sozinhas ajustando-se à evolução do incêndio", lê-se. A falta de informação é ainda referida pelo mesmo major, que conta que só soube da mudança de posto de comando de Escalos Fundeiros para Pedrógão Grande quando chegou e não estava lá ninguém.

A GNR diz que só começou a receber instruções e indicações a partir das 22h. A este facto não terá sido estranha a mudança no posto de comando de operações. Nas horas críticas, quem esteve no comando das operações foram dois novatos na ANPC, primeiro Mário Cerol, segundo comandante distrital de Leiria, e depois das 22h Albino Tavares, o 2º comandante nacional (2º conac). A entrada deste militar no comando coincide com a hora a que a GNR diz terem sido comunicadas "as únicas instruções de coordenação que recebeu do posto de comando da ANPC". O relatório da GNR refere que foi com o 2º conac que foi coordenado "o desenvolvimento das tarefas atribuídas à Guarda, nomeadamente nas evacuações e cortes de via". Albino Tavares foi nomeado em Janeiro deste ano aquando da reformulação feita pelo presidente Joaquim Leitão e, enquanto militar da GNR, tem como tarefa facilitar a ligação a esta entidade.

Estratégia inicial revelou-se "insuficiente e insegura"

Estas falhas na coordenação entre as várias entidades foram assumidas pela ministra e a própria ANPC admite que a estratégia levada a cabo em Pedrógão Grande não começou por ser a de evacuação de populações, mas a de uma "defesa perimétrica das habitações, não tendo verificado a necessidade de evacuação" de nenhuma localidade.

Contudo, admite a própria ANPC, com o comportamento do incêndio, numa fase "subsequente", "aquela opção estratégica revelou-se insuficiente e insegura". Mas a Protecção Civil não dá mais explicações nem revela que outras alternativas haveria. Estas respostas foram dadas à ministra em Agosto, depois de Constança Urbano de Sousa ter recebido o primeiro relatório (a 6 de Julho) e de ter insistido nas perguntas. Uma delas incidia sobre a razão por que a evacuação de localidades foi decidida de imediato. Na resposta, a ANPC preferiu dizer que a estratégia definida foi "ofensiva e musculada desde os primeiros minutos" e que tinha "a clara intenção de controlar a situação". Mas isso não foi suficiente e quando foi preciso evacuar aldeias já o fogo estava descontrolado.

Não obstante admitir que nesta "fase subsequente" a estratégia definida não estava a funcionar, a ANPC também constatou que "a manobra de evacuação nem sempre foi a mais adequada ou a mais recomendável". Sobretudo, porque mesmo em casos em que "se aconselhava a evacuação de populações", nem sempre foi possível fazê-lo "devido à dispersão de meios e ao comportamento extremo do incêndio que acabou por inviabilizar vários acessos, impedindo a progressão no terreno e criando constrangimentos sérios de segurança aos operacionais". E no caso em concreto, remete ainda para o plano municipal de emergência de Pedróão Grande, que define que essa decisão de evacuação é do comandante operacional municipal.

37 pedidos de ajuda sem resposta

A "descoordenação" a que se refere a ministra foi potenciada pelas falhas nas comunicações. No relatório da ANPC, lê-se que houve 25 pedidos de ajuda que não foram respondidos porque as comunicações não o permitiram - ou a informação chegou tardiamente ao posto de comando, ou o posto de comando teve dificuldades em transmiti-las aos bombeiros -, a que acrescem mais 12 por falta de meios. O relatório da ANPC refere que em algumas destas localidades havia informações de vítimas mortais (no caso, havia uma referência a dois pedidos em Sarzedas de Vasco, onde morreram quatro pessoas, e em Pobrais, numa zona onde foi encontrada uma vítima mortal), não referindo se houve uma relação directa entre estas falhas e as mortes em causa.  

Apesar das dificuldades, a ANPC garante que "a maioria das vítimas mortais decorrem de situações para as quais nunca chegou a haver qualquer alerta". Refere ainda o mesmo relatório que em algumas aldeias, "nem sequer terá havido tempo para que os moradores pudessem solicitar de imediato ajuda", e que isto terá acontecido também na estrada nacional 236-1, de onde só foi conhecido o pedido de ajuda do carro dos bombeiros de Castanheira de Pera, que teve um acidente com um ligeiro. "Não foi recebido mais nenhum pedido de socorro na área da estrada EN236-1", garantem.

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