Ninguém quer uma guerra, gritam China e Rússia a Trump e a Kim

Pequim explica que pode manter-se neutra, caso Pyongyang ataque primeiro. Moscovo traça linhas para uma negociação.

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Donald Trump não abandona a retórica agressiva contra a Coreia do Norte Reuters/JONATHAN ERNST

Procura-se um adulto para pôr ordem na troca de palavras belicosas entre os líderes dos EUA e da Coreia do Norte que nos últimos dias pôs o mundo à beira de um ataque de nervos. Os candidatos são a China e a Rússia, que vieram esta sexta-feira apelar à calma e contenção verbal – mas não deixam de desenhar as suas próprias linhas vermelhas.

Depois de ameaçar com “fogo” e “fúria” o regime norte-coreano, o Presidente dos EUA Donald Trump decidiu dar mais pormenores e anunciou que as “soluções militares estão totalmente preparadas, carregadas e apontadas”, com Pyongyang na mira. As palavras de Trump surgem na sequência de uma acirrada troca de palavras entre os dois países, com a Coreia do Norte a afirmar que planeia atingir a ilha de Guam, onde estão duas bases militares norte-americanas.

O resto do mundo tenta encontrar sentido na subida de tensão protagonizada por Trump, a começar pela sua própria Administração. O secretário da Defesa James Mattis defendeu a opção pela via diplomática, lembrando os efeitos “catastróficos” da “tragédia da guerra”. Antes, já o secretário de Estado Rex Tillerson tinha afirmado que “não existe nenhuma ameaça iminente de guerra” e que as palavras duras de Trump se destinavam apenas ao líder norte-coreano, Kim Jong-un, que “parece não compreender a linguagem diplomática”.

O mal-estar na região pode aumentar mais nas próximas semanas, à medida que se aproximam os grandes exercícios militares conjuntos entre os EUA e a Coreia do Sul, que começam a 21 de Agosto, com 30 mil militares. As manobras acontecem em Agosto todos os anos. A Coreia do Norte recebe quase sempre estes exercícios com uma postura de grande desafio e é possível que tente responder com uma demonstração de força.

Apesar da crescente tensão, os EUA e a Coreia do Norte têm mantido canais de comunicação, através de diplomatas das Nações Unidas, revelou a Associated Press. Essas conversações foram importantes, por exemplo, para que o estudante norte-americano Otto Warmbier, detido durante um ano na Coreia, fosse libertado.

Contenção, pede Pequim

Em Pequim, a palavra de ordem é de contenção para ambos os lados. “A China espera que todos os actores relevantes sejam cautelosos com as suas palavras e acções, e tomem decisões que ajudem a desanuviar a tensão e promovam a confiança mútua, em vez de trilhar o velho caminho de manifestações alternadas de força, aumentando as tensões”, afirmou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Geng Shuang.

Um dos cenários mais temidos em caso de um confronto militar entre os EUA e a Coreia do Norte é o envolvimento da China, em apoio de Pyongyang – constituindo o primeiro confronto directo entre duas potências desde o final da II Guerra Mundial.

Oficialmente, o Governo chinês tem mantido alguma ambiguidade, mas o jornal Global Times – que apesar de não reflectir a posição formal de Pequim é muitas vezes usado para propagar ideias equacionadas pelo regime – já definiu os termos de um envolvimento chinês.

“A China deve deixar claro que se a Coreia do Norte lançar mísseis que ameacem território dos EUA primeiro, e os EUA retaliarem, então a China irá permanecer neutra. Se os EUA e a Coreia do Sul realizarem ataques e tentarem derrubar o regime norte-coreano e mudar o quadro político da Península Coreana, então a China terá de os impedir.”

A posição do Global Times mostra que a China não é uma aliada incondicional da Coreia do Norte e que está preparada para deixar o regime cair caso veja provocações nos seus actos. Ainda assim, o grande objectivo de Pequim é impedir o colapso do seu vizinho, uma vez que uma Coreia reunificada sob a égide de Seul seria vista como uma ameaça existencial à sua própria segurança. Para além disso, a China quer evitar o caos de uma crise humanitária de refugiados nas suas fronteiras como consequência de um conflito militar.

Escassos dias depois de ter apoiado o mais duro pacote de sanções contra a Coreia do Norte, a China não gostou de ouvir Donald Trump a ameaçar lançar “fogo e fúria como o mundo nunca viu” contra Pyongyang. A linguagem dura de Trump é encarada em Pequim como contraproducente, numa altura em que seria necessário aguardar pelo efeito das sanções, que impõem um embargo a algumas das principais exportações norte-coreanas.

Desde que chegou à Casa Branca, a estratégia de Trump para travar o programa nuclear da Coreia do Norte tem sido pressionar a China para usar a sua influência, sobretudo económica, sobre Pyongyang e a aplicação das sanções aprovadas por unanimidade pelo Conselho de Segurança da ONU foram encaradas nesse sentido. “Mas as declarações de Trump vão no sentido totalmente oposto”, disse ao Guardian Shi Yinhong, que é um dos conselheiros de política externa do Governo chinês.

Também a Rússia manifestou preocupação com a subida de tensão na Península Coreana, com o ministro dos Negócios Estrangeiros Serguei Lavrov a admitir que o risco de um conflito militar é “muito alto”. Descrevendo os EUA como “o lado que é mais forte e inteligente”, Lavrov apelou a Washington para tomar medidas para alcançar um apaziguamento.

Lavrov pediu ainda aos dois países a adopção de um plano sino-russo, acordado no início de Julho num encontro em Moscovo entre o Presidente chinês, Xi Jinping, e o homólogo russo, Vladimir Putin, para dar início a negociações. Segundo a iniciativa conjunta, a Coreia do Norte deveria comprometer-se a paralisar os seus programas nuclear e balístico e, como contrapartida, os EUA e a Coreia do Sul deveriam cessar os exercícios militares que realizam periodicamente.

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