Alqueva e floresta, reformar é persistir

Apesar de todas as críticas, não houve força para travar ou desvirtuar a arquitetura de uma reforma vital para o país.

Há 20 anos, tive o privilégio de integrar um Governo que lançou uma das maiores, se não mesmo a maior, reforma da agricultura portuguesa: o projeto de Alqueva, cujo sucesso hoje ninguém contesta e cuja ampliação em mais um terço da área inicialmente prevista está prestes a concretizar-se. Alqueva constituiu-se mesmo como o melhor exemplo da capacidade de reformar, inovar e aumentar a competitividade, transformando uma região estagnada do ponto de vista agrícola num polo de desenvolvimento que surpreende os estrangeiros e orgulha os portugueses.

Porém, há duas décadas, aquando da tomada de decisão de avançar com o projeto, choveram críticas de todos os quadrantes: desde estar em curso a criação de um "elefante branco" e um sorvedouro dos dinheiros públicos à impossibilidade "cientificamente comprovada" de completar alguma vez o enchimento da albufeira, ou até de assegurar o estabelecimento de um preço da água compatível com qualquer atividade agrícola, para além de todos os impactos negativos para o ambiente e para o clima que se possam imaginar, invocados até por entidades e personalidades de credibilidade inquestionável.

Bastaram menos de 20 anos para que a voz dos críticos se fosse apagando aos poucos e que até muitos dos outrora contestatários se convertessem em extremosos defensores de um projeto que, hoje, recolhe unanimidade nacional.

Assim está a acontecer com a Reforma da Floresta que o atual Governo teve a coragem de empreender, apesar de se saber que serão necessários anos até que os seus efeitos e benefícios sejam visíveis. Mais uma vez, políticos, comentadores e entendidos de todos os tipos se lançaram em ruidosa contestação, sem fundamento ou justificação, criticando até, e bastas vezes, a ausência de medidas que a simples leitura dos diplomas revela estarem neles contidas!

Apesar de tudo, a Reforma da Floresta avançou: oito ministros envolvidos, meses de discussão dentro do Governo, dois Conselhos de Ministros extraordinários dedicados ao tema, três meses de discussão pública, debate aceso na Assembleia da República, acompanhamento e observação atenta e incentivadora do Presidente da República. Nem as críticas, amplificadas até à exaustão pela comunicação social, nem os lóbis, diversos e poderosos, nem a luta política, nem o escrutínio das instituições da República impediram o seu avanço irreversível. Não há maior força do que a força da coerência e da razão.

Dos 12 diplomas, interligados, que constituem o início e a base da Reforma da Floresta, dez já estão aprovados e promulgados pelo senhor Presidente da República. O 11.º, cuja discussão foi adiada para outubro pelo Parlamento (referente à atribuição de benefícios fiscais), tem aprovação certamente garantida, e o 12.º, o Banco de Terras e o Fundo de Mobilização de Terras, foi adiado por um ano.

Quer isto dizer que, apesar de todas as críticas, expressas e veladas, e do árduo trabalho dos grupos de pressão, não houve força para travar ou desvirtuar a arquitetura de uma reforma vital para o país e que, para ter êxito, vai exigir o empenho e a determinação de vários governos, que não podem sucumbir à ilusão do aplauso e de ganhos políticos no horizonte curto do seu mandato.

Bem sei que a tarefa mais árdua é a que se avizinha, a da execução, que vai exigir empenho, determinação e meios de vários ministérios. É o caso da Justiça, na implantação do cadastro, do Ambiente, no ordenamento florestal, da Agricultura e da Administração Interna, na prevenção dos incêndios, da Economia, no aproveitamento da biomassa para fins energéticos, das autarquias locais, das organizações de produtores florestais e das populações rurais. Esta reforma, mais do que qualquer outra, exige a mobilização de todos porque, apesar de a propriedade ser esmagadoramente privada, a floresta é pertença comum.

Tenho absoluta convicção que não serão necessários 20 anos para que a tão contestada Reforma da Floresta recolha a unanimidade, o aplauso e o orgulho de todos os portugueses, tal como hoje reúne o contestado Alqueva de ontem.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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