Os populistas não querem saber do povo

O PSD, em Loures, testará quase laboratorialmente a estratégia populista da extrema-direita moderna.

Com o encerramento das listas para as autárquicas, já é certo que as eleições do próximo dia 1 de outubro marcarão o momento em que um dos maiores partidos portugueses — o PSD, em Loures — testará quase laboratorialmente a estratégia populista da extrema-direita moderna. 

Por isso convém passar em revista alguns dos lugares-comuns sobre o populismo que temos tido de ouvir nestes últimos anos. Embora repetidos com boas intenções, esses lugares-comuns têm feito mais mal do que bem na luta pela preservação da democracia e é importante impedir que se enraízem no debate português, na antecipação de uma deriva que já está a chegar até nós.

Em primeiro lugar, o populista não ouve o povo. Este é um erro básico de percepção que tem sido repetido à exaustão desde as vitórias de extrema-direita com o "Brexit" e Trump, no ano passado. Os populistas limitam-se a pôr na boca do povo os seus preconceitos e obsessões. Se os populistas estivessem preocupados com aquilo que preocupa o povo teriam de dar respostas aos problemas do acesso à saúde, da segurança social, da modernização da economia ou da distribuição do esforço nas contribuições fiscais. Ora, todos estes temas são complexos, e os populistas procuram antes temas que chamem a atenção sem darem trabalho. Eles não querem relevância, mas intensidade.

Vejamos o exemplo paradigmático do "Brexit" e de Nigel Farage. Durante duas décadas, Farage pouco se preocupou com o facto de a saída da União Europeia não ser um tema prioritário para os britânicos. Sondagem após sondagem, a UE nunca aparecia entre as primeiras cinco preocupações dos cidadãos do Reino Unido. Como controvérsia, a questão europeia não tinha relevância para os britânicos, mas a oposição entre os poucos britânicos que se interessavam pelo assunto era feroz, e isso era algo em que Farage podia apostar, e em que podia ser acompanhado pela poderosa imprensa tablóide. Bastava insistir, contra toda a evidência, que a UE era a maior preocupação dos britânicos. E funcionou.

Em segundo lugar, o populista não quer unir o povo. Um povo coeso é um mau ponto de partida para ele. O exemplo de Farage é de novo instrutivo. Agora sim, a saída da UE está no topo das preocupações: tanto dos que a desejam como dos que se lhe opõem. A desunião dos britânicos gerou intensidade e oposição — os elementos de que o populista beneficia. O mesmo podemos ver na estratégia de Trump, que ataca setores da sociedade e divide os americanos como manobra de diversão de cada vez que tem problemas ou perde popularidade. Nos discursos, o populista dirá que quer unir o povo. Na prática, procura todos os dias dividi-lo.

São esses exemplos bem estudados que deram o ponto de partida ao nosso aprendiz do PSD de Loures. Também ele não procurou temas que estivessem no topo das preocupações dos munícipes que pretende governar, nem formas de unir esses munícipes. Também ele não procurou relevância, mas intensidade e oposição.

A estratégia funciona. Mas isso não é razão para que a beneficiemos mais ainda promovendo equívocos sobre as razões por que funciona. O populista não ouve o povo — põe palavras na boca do povo. O populista não quer unir o povo, mas dividi-lo. O populista não quer, aliás, saber do povo para nada. Quer saber apenas de si mesmo e do seu sucesso. A palavra “povo” como raiz do termo “populista”, na sua acepção contemporânea, é apenas uma triste coincidência e um dano colateral à partida. Na verdade, nós nem deveríamos chamar populistas a estes demagogos. Chamar-lhes apenas mentirosos e desonestos seria analiticamente mais rigoroso.

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