“Vemos um povo maravilhoso roubado descaradamente desde o nascimento”

Criolo é um dos nomes fortes do primeiro dia do festival O Sol da Caparica. Celebra aqui dez anos de um disco “todo dedicado ao rap”, olhando com desassombro para a realidade brasileira

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Criolo, no primeiro dia do festival Sol da Caparica
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Xutos e Pontapés, dia 11 no festival Sol da Caparica
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Trovante, dia 12 no festival Sol da Caparica
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Capicua, dia 13 no festival Sol da Caparica

O seu disco mais recente é marcado pelo samba, mas o que Criolo traz a Portugal (esta quinta-feira no festival O Sol da Caparica, um dia depois no Theatro Circo, em Braga) é sobretudo o rap, linguagem musical que o celebrizou. “É o show de celebração de dez anos do meu primeiro álbum, que é todo dedicado ao rap, é um show de rap”, diz Criolo ao PÚBLICO. Nascido Kleber Cavalcante Gomes, em São Paulo, em 5 de Setembro de 1975, Criolo lançou Ainda Há Tempo em 2006, replicando esse seu primeiro disco dez anos mais tarde, com gravação nova.

Entras estas gravações, lançou dois discos que a crítica considerou excelentes, Nó Na Orelha (2011) e Convoque Seu Buda (2014). Este último foi classificado com cinco estrelas no Ípsilon do PÚBLICO, onde João Bonifácio lhe chamou “uma obra-prima com o Brasil inteiro dentro”. O seu trabalho mais recente intitula-se Espiral de Ilusão (2017) e transpira samba. “Na verdade, eu não escolhi o samba. Ele é que veio surgindo na vida, há muito tempo atrás eu escrevi muitos sambas e agora voltei a escrever outros. Achei que era o momento de eu viver esse sonho, que é um sonho antigo, de fazer um disco de homenagem ao samba.”

Numa das canções do disco, Menino mimado, ele escreve: “Eu não quero viver assim, mastigar desilusão/ Este abismo social requer atenção/ Foco, força e fé, já falou meu irmão/ Meninos mimados não podem reger a nação.” Retrata, diz ele, uma realidade antiga: “Os mais poderosos pisando na cabeça dos mais fracos. E isso está acontecendo há muitos anos, não é de agora. É do jeito que eles querem, porque se não for, eles dão um jeitinho para ser do jeito que eles querem.”

Noutra canção, Hora da decisão, de Ricardo Rabelo e Dito Silva, ouvimos: “O tempo fechou na favela/ é fera engolindo fera”: “É a única canção que não de minha autoria”, diz Criolo, “mas acredito que descreva a importância de se construir coisas boas, de um indivíduo deixar um legado positivo ao outro, pois tudo se renova quando algo de positivo é plantado e tudo de ruim se fortifica quando temos atitudes ruins para com os outros, para com a sociedade”.

“A música traz humanização”

A situação política e social no Brasil entristece-o. “Nós estamos vivendo um caos, há muitos anos, há décadas. As verdades de como esse caos se estabeleceu começam a aparecer e estamos vivendo um momento de gangrena social, de desgraça política, um momento de tristeza, de desespero. Existe um ambiente fúnebre que invade os nossos corações, causando muita tristeza. Porque vemos um povo maravilhoso, um povo que luta todos os dias e que está sendo roubado descaradamente desde o dia do nascimento. É muito triste.” Mas o músico não cruza os braços, pelo contrário. “Cada um a seu jeito dará a sua contribuição. Eu darei a minha, outros darão a sua. Mas a música, como todas as expressões de arte, é algo que traz humanização, que junta as pessoas, que provoca reflexões. Quando a arte visita o ser humano, algo já está sendo feito.”

Em Portugal, Criolo actuará com acompanhamento “tradicional rap, um DJ e dois MC.” Aos que elogiam aqui o seu trabalho, ele diz: “É uma felicidade muito grande receber esse carinho. Isso apesar de ir pouco a Portugal, porque são raros os momentos em que posso ir aí cantar. Mas gostaria de ir mais vezes, conhecer pessoas, prestigiar os artistas, aprender. Tenho uma gratidão muito especial a todos.”

Criolo continua a compor, e muito. “A minha mente continua pensando em músicas, canções, mas elas vêm de várias formas: rap, samba, bolero, reggae, forró, de mil maneiras. E eu vou me permitindo deixar essas emoções irem ganhando corpo e tomando conta do espaço delas.”

Quatro dias de festa

Com mais de 30 artistas e 11 horas de música em três palcos, de 10 a 13 de Agosto, o festival O Sol da Caparica mantém-se fiel ao rumo traçado, segundo o seu director artístico, António Miguel Guimarães: “Trabalhámos à roda de quatro estilos: a canção portuguesa, pop-rock, com um ou dois elementos do fado; o hip-hop; as músicas africanas; e as brasileiras.”

No primeiro dia do festival, esta quinta-feira, 10 de Agosto, ouvir-se-ão HMB, Regula, Criolo, Mariza, Tais Quais, Bonga, Trevo, À Sombra do Cristo Rei, Sam Alone, Fogo-Fogo, DJ Nuno Calado. No dia 11, sexta, o programa inclui Xutos & Pontapés, Carlão, Mafalda Veiga, Carlos do Carmo, António Zambujo (a cantar Chico Buarque), Virgul, Djodje, Bispo, Dealema, Holly Hood, Pete Tha Zouk. No dia 12, sábado, é a vez de Matias Damásio, Manuel Cruz, Mishlawi, Trovante, Os Tubarões, Teresa Salgueiro, Samuel Úria, Best Youth, Sean Riley & The Slowriders, Os Quatro e Meia, Rich & Mendes. E no domingo, dia dedicado à criança, actuarão o projecto Mão Verde (Capicua e Pedro Geraldes), Rita Guerra e Palavra Cantada.

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