Fantasma da violência de 2007 ensombra presidenciais no Quénia

Assassínio de um responsável da comissão de eleitoral agrava clima de tensão, com as sondagens a colocarem praticamente a par o Presidente cessante e o eterno candidato da oposição.

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19 milhões de quenianos vão nesta terça-feira às urnas Dai Kurokawa/EPA

É com ansiedade que milhões de quenianos voltam nesta terça-feira às urnas para eleger o Presidente. O receio de que se repita a violência que se seguiu às presidenciais de 2007 provocou uma corrida para comprar bens essenciais e foram muitos os que optaram por regressar às suas zonas de origem, temendo possíveis confrontos naquele que é um dos países mais estáveis de África mas onde a política e as rivalidades étnicas continuam a formar um cocktail perigoso.

A tensão sobe há semanas. Apesar de os dois principais candidatos surgirem praticamente empatados nas sondagens, o antigo primeiro-ministro Raila Odinga, na sua quarta tentativa para chegar à presidência, insiste que só uma fraude maciça o impedirá de vencer desta vez o Presidente cessante Uhuru Kenyatta, eleito em 2013 por uma pequena margem.

Dessa vez, Odinga não chamou os seus apoiantes para a rua, ao contrário do que sucedera seis anos antes – os protestos e a recusa do então Presidente Mwai Kibaki em reconhecer as suspeitas de fraude degeneraram em confrontos étnicos que em dois meses fizeram mais de 1200 mortos e provocaram mais de 600 mil deslocados. Mas o recurso que Odinga apresentou ao Supremo Tribunal foi rejeitado, apesar da falha generalizada do recém-criado sistema electrónico de identificação de eleitores e comunicação de resultados.   

O medo aumentou ainda mais na semana passada com a morte de Chris Msando, o responsável pela gestão do sistema electrónico, que até aí tinha dado a cara pela fiabilidade da rede. Msando, que tinha acesso a todos códigos do sistema, foi encontrado morto nos arredores da capital, Nairobi, com sinais de ter sido torturado. A oposição denunciou também um alegado plano dos militares para manipular os resultados e, já na sexta-feira, dois analistas eleitorais estrangeiros que trabalhavam para Odinga foram detidos e expulsos do país.

Notícias que se juntam a rumores e informações falsas postas a circular nas redes sociais, alimentando o clima de medo. A BBC adianta que bens essenciais como o leite ou farinha de milho voaram das prateleiras dos supermercados de Nairobi. “Tivemos um cliente que comprou dez sabonetes de uma vez, contou a gerente de uma loja no Norte da capital, explicando que ainda assim os donos deram ordens para manter os stocks no mínimo, a fim de “limitar as perdas caso o supermercado seja atacado após as eleições”. A Reuters dá conta de um cenário semelhante em Kisumu, cidade nas margens do lago Vitória (Oeste) onde a maioria da população pertence à tribo Luo, a mesma de Odinga, e que em 2007 foi um dos palcos de sangrentos confrontos.  

O Governo mobilizou mais de 150 mil agentes de vários serviços para patrulhar o dia das eleições – em que serão também os membros do Parlamento e as administrações regionais –, mas ainda assim muitos habitantes de Nairobi ou de zonas etnicamente mais diversas optaram nos últimos dias por regressar às suas zonas de origem. Kenyatta, que viu o Tribunal Penal Internacional arquivar as queixas que pendiam contra ele por supostamente ter sido um dos organizadores da violência pós-eleitoral em 2007, lançou no domingo um apelo à calma, pedindo aos quenianos para não deixarem “a tribo, a religião ou a filiação polícia” sobreporem-se à convivência pacífica dos últimos anos.

Os observadores dizem, porém, que é improvável que a violência generalizada se repita – Kenyatta e o seu vice-presidente, William Ruto, pertencem aos dois maiores grupos étnicos do país (os kikuyu e os kalenjin), que em 2007 estiveram em lados opostos dos confrontos; e a população mais jovem, que compõe metade do eleitorado, está menos alinhada com a política tribal do que as anteriores gerações e mais preocupada com a corrupção e o desemprego.

Ainda assim, muito irá depender do desempenho do sistema informático e, sobretudo, da forma como o candidato derrotado reagir aos resultados, depois de ambos se terem mostrados certos da vitória. “A questão não é se eles vão ou não aceitar os resultados, mas o que vão fazer quando não os aceitaram”, disse à AFP Nic Cheeseman, professor de política africana da Universidade de Birmingham. 

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