Não há planos de recuperação para deputados?

As faltas dos parlamentares só por muito azar ou descuido chegam a ser consideradas injustificadas.

Mais ou menos a partir do 8.º ano de escolaridade, que coincide com a entrada na adolescência dos alunos, as reuniões de pais começam a ter um momento em que se discutem os planos de recuperação e integração de estudantes com excesso de faltas injustificadas e que correm o risco de vir a chumbar por esse motivo. Os planos são feitos à medida e servem para que os menos assíduos, assim como os seus encarregados de educação, sejam chamados à responsabilidade e recuperem o tempo perdido.

Um vez integrados no plano de recuperação, os alunos comprometem-se a fazer trabalhos escritos ou apresentações orais, frequentar aulas extra, realizar testes ou desempenhar qualquer outra prova ou tarefa que o professor da disciplina menos frequentada entenda atribuir-lhe. No final, há uma avaliação. Quando é positiva, as faltas injustificadas transformam-se em justificadas. Quando é negativa, o conselho de turma decide, em princípio, excluir o aluno na disciplina em que excedeu o limite de faltas. E, naquela disciplina, o plano não pode ser repetido.

Das escolas para o Parlamento, o caso muda de figura. E não é só na idade dos intervenientes. As faltas dos parlamentares só por muito azar ou descuido chegam a ser consideradas injustificadas. Quase todos os motivos estão previstos no Estatuto dos Deputados como justificação aceitável: doença; casamento; maternidade e paternidade; luto; trabalho parlamentar; trabalho político ou partidário; mas também, no caso de tudo o resto falhar, "força maior". O mesmo estatuto prevê ainda que "em casos excepcionais, as dificuldades de transporte podem ser consideradas como justificação de faltas".

Daqui resultaram várias polémicas ao longo dos anos — das muito comentadas ausências para ir ao estrangeiro assistir a jogos da selecção portuguesa de futebol, em 2003, à inédita sessão nas vésperas da Páscoa de 2006, em que faltaram 110 deputados — e uma conclusão: nunca, em 42 anos de democracia, um só deputado perdeu o mandato em São Bento por excesso de ausências.

Quando os deputados ultrapassaram o limite de faltas injustificadas, como já aconteceu com 30 parlamentares em 2001 (e o caso foi noticiado), os serviços da Assembleia da República aceitaram as justificações após o prazo e, mais tarde, alargaram-se os motivos pelos quais as faltas são aceitáveis. E não foi preciso sequer um plano de recuperação e integração para os prevaricadores.

As faltas dos deputados são publicadas online para que cada português possa funcionar como uma espécie de encarregado de educação dos servidores públicos. Acresce que todos os anos os jornalistas fazem a contabilidade dos que faltaram mais e menos e das razões por que o fizeram. O balanço desta parte da actividade parlamentar é um dos momentos da silly season que mais desconcerta os políticos (o outro é publicar fotos das suas férias).

A agência Lusa fez esse exercício esta semana para concluir que os 230 parlamentares deram 1517 faltas nas 109 sessões plenárias de 2016/2017 (uma média de 14 ausências por sessão e de 6,5 faltas por pessoa). Injustificadas foram 16. Maria Luís Albuquerque não foi a mais faltosa (nem sequer ficou no ranking dos dez primeiros), mas foi a deputada que se ausentou mais vezes sem justificação — três —, ficando a uma falta de perder o mandato. Quase no ponto para um plano de recuperação.

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