O Processo Kafkiano na FCT

O atraso no pagamento das bolsas de doutoramento e o despotismo com que a FCT trata os seus trabalhadores contrasta com a construção da imagem inovadora com que este Ministério se apresenta ao país

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oadtz/ Pixabay

É já bem conhecida a difícil relação política do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior com a realidade precária dos bolseiros de investigação. O dito por não dito sobre a abrangência do Programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública (PREVPAP) no Ensino Superior é disso exemplo. Porém, o modus operandi da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) que materializa esta visão vivia ainda dentro do armário.

No final desta sessão legislativa, a Comissão de Educação e Ciência deparou-se com a situação mais kafkiana que alguma vez tinha pairado por aqueles lados nesta legislatura: na audição à FCT sobre o despedimento infundado de dois bolseiros, Paulo Ferrão e Miguel Castanho (da direção) não conseguiram fundamentar juridicamente nenhum argumento que justifique estes despedimentos. Num ato de desespero que avisava um beco sem saída, alegaram que existia um despacho anexo que continha todas as justificações para o cancelamento das ditas bolsas e estavam até dispostos a facultar naquele momento esse mesmo documento. Agradeci e pedi de imediato os papéis. Valeu de pouco, um titular de um órgão de soberania requerer aquilo que a própria direção já tinha dado como certo. Num momento de intenso suspense, teatralizaram uma intensa procura em busca do papel numa pasta com quinhentas folhas, após alguns minutos, alegou que só tinha uma cópia e, consequentemente, entregaria mais tarde. Até hoje, nem o Parlamento nem os bolseiros despedidos obtiveram esse documento.

Atrasos nas Bolsas de Doutoramento

A par deste episódio, centenas bolseiros de doutoramento continuam a desenvolver a sua investigação sem qualquer tipo de apoio: desde setembro – data da candidatura. No dia 11 de Julho, o número de processos pendentes na FCT era de 472. Se é verdade que este ano, o número de bolsas adjudicadas aumentou razoavelmente, não é menos verdade também que o tempo de espera pela celebração dos contratos disparou para prazos inaceitáveis. É até paradoxal que, no momento em que a FCT precisa de mais profissionais, se dê ao luxo de despedir os poucos que tem - «Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço».

O atraso no pagamento das bolsas de doutoramento e o despotismo com que a FCT trata os seus trabalhadores contrasta com a construção da imagem inovadora com que este Ministério se apresenta ao país: dois mundos num pleno de contradições. O caminho traçado nos últimos anos, nomeadamente na era da Troika, revelou-se desastroso. Perdemos um terço do investimento público no Ensino Superior e na Ciência. Esses cortes cegos corresponderam a um aniquilamento dos orçamentos das próprias instituições de ensino superior, à proliferação da precariedade.

Tal como n’O Processo, do autor checo Franz Kafka, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia é o espelho da burocracia obscura e sem transparência, fruto da entropia de um Ensino Superior e de um Sistema Científico e Tecnológico que deixou de responder ao país em troca de autojustificações.

O caminho só poderá ser de rutura. Estagnar somente os cortes absurdos do passado não desvia o setor de um naufrágio destinado.

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