Phasing out da vida activa é necessário

O phasing out tem por objectivo combinar trabalho e reforma. Deverá permitir uma geometria variável de soluções que moldam a combinação de trabalho parcial e de reforma parcial ou gradual.

As alterações demográficas estão a impor (e vão impor) muitas correcções nas sociedades em que o envelhecimento demográfico se tem vindo a afirmar. Percebemos e sentimos - o que ainda não é evidente para muitos – os seus impactos em domínios tão variados como a gestão do ciclo de vida, a organização do trabalho e da sociedade, o emprego, a ocupação do tempo, os hábitos de consumo e de poupança ou a sustentabilidade social e financeira da segurança social, os cuidados de saúde ou a gestão da dívida pública.

A organização social terá que se reinventar. É preciso fazer mudanças, mas importa que as alterações sejam adequadas e geridas debaixo de uma orientação estruturada e concertada, que obedeça a uma visão. É a nossa capacidade de pensarmos de maneira diferente que está à prova. Sermos bem ou mal sucedidos nesta empreitada fará toda a diferença.

Uma das variáveis a considerar nesta difícil equação é o conhecimento. É interessante relacionarmos ambas as dimensões: envelhecimento demográfico e conhecimento.

O envelhecimento da população está intimamente ligado ao conhecimento, é o resultado de progressos sociais e civilizacionais conquistados em muitos domínios, designadamente na escolarização e na saúde. Os mais velhos estão hoje mais preparados do que no passado, são pessoas mais informadas e mais qualificadas, com mais saúde e qualidade de vida.

E refiro propositadamente os “mais velhos” porque a etiqueta administrativa “idoso” está desfasada da realidade. Catalogar de “idoso” alguém saudável que se reformou, por exemplo, aos 60 anos ou alguém que tendo 70 anos se mantém ainda activo perdeu qualquer sentido, não deixando, contudo, de interferir negativamente na organização social. Este tipo de etiquetas alimenta estereótipos ultrapassados.

Com a população activa em redução por causa do envelhecimento demográfico, temos que ser capazes de aproveitar mais e melhor as capacidades dos mais velhos, contribuindo não apenas para melhorar a produtividade, mas ainda para humanizar a sociedade.

Só o conseguiremos se formos capazes de fazer pontes entre as gerações mais novas e as gerações mais velhas, melhorando a combinação do conhecimento de umas e de outras e a transmissão do saber dos mais velhos para enriquecer a criatividade dos mais novos. O apoio mútuo entre as gerações deve ser reforçado, elas complementam-se e precisam umas das outras.

Os mais velhos podem exercer funções ou realizar actividades com elevados desempenhos, mas são muitas vezes conduzidos para a reforma quando evidenciam condições intelectuais e físicas para poderem continuar a dar um contributo valioso à sociedade.

O envelhecimento demográfico, combinado com a maturação dos sistemas de pensões, deu lugar a um movimento reformista, iniciado nos anos 80, que se concretizou por via de revisões na arquitectura dos sistemas públicos de pensões – reformas sistémicas – e por via de intervenções na modulação dos principais parâmetros que regem o seu funcionamento – reformas paramétricas.

Este movimento foi ditado por preocupações com a despesa pública com pensões e a sustentabilidade financeira dos sistemas públicos de pensões.

Portugal não fugiu ao caminho reformista, tendo empreendido diversas alterações paramétricas, das quais se destacam (I) o factor de sustentabilidade – através da indexação da idade normal de reforma à evolução da esperança média de vida aos 65 anos - e (II) os incentivos à permanência no mercado dos trabalhadores mais velhos – através de penalizações para as reformas antecipadas e de bonificações para a permanência no mercado de trabalho para além da idade normal de reforma.

O prolongamento da vida activa melhora a sustentabilidade financeira dos sistemas de pensões – pela acção combinada entre o aumento das receitas e a redução das despesas – e melhora a adequação do rendimento na reforma – na medida em que conduz a carreiras mais longas.

Mas não basta decretar o aumento da idade normal de reforma. Para que o trabalhador permaneça mais anos no mercado de trabalho, é necessário que disponha de saúde e de aptidão profissional. As políticas de envelhecimento activo assumem aqui um papel relevante e devem estar focadas na qualidade de vida, a qual depende de numerosos factores entre os quais a saúde, as condições económicas e financeiras e a inclusão social.

PÚBLICO -
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A realidade do envelhecimento/longevidade não deve, no entanto, ofuscar a necessidade e a vantagem de se introduzirem e promoverem mecanismos de phasing out no sistema público de pensões, mecanismos que flexibilizem a reforma e humanizem a travessia entre a etapa da vida activa e a etapa da reforma. Pelo contrário.

O phasing out tem por objectivo combinar trabalho e reforma. A ideia é conciliar trabalho e reforma. Deverá permitir uma geometria variável de soluções que moldam a combinação de trabalho parcial e de reforma parcial ou gradual - por exemplo, 25%, 50% e 75%. O phasing out ajuda a combater o “efeito de guilhotina” que, normalmente, acompanha a passagem à reforma.

Estes mecanismos conciliam, também, os interesses dos mais novos e os interesses dos mais velhos: abrem-se oportunidades aos jovens de entrarem ou regressarem ao mercado de trabalho e as empresas poderão refrescar os seus recursos humanos sem prescindir do conhecimento e cultura transportados pelos trabalhadores mais velhos. São reconhecidas as mais-valias dos trabalhadores das gerações “grisalhas” – a experiência e o conhecimento acumulados – e a necessidade de as aproveitar e de as combinar com a formação e a juventude das gerações jovens.

O sistema de phasing out do sistema público de pensões da Suécia constitui um bom exemplo e a iniciativa do governo italiano, lançada em 2013, merece ser estudada.

São, portanto, várias as razões para se avançar para soluções de “geometria variável” que combinam trabalho e reforma: flexibilidade do mercado de trabalho, aproveitamento do conhecimento e do saber dos trabalhadores mais velhos e a sua combinação com a energia dos mais novos, liberdade de escolha do trabalhador decidir em que idade se deseja reformar e como deseja fazê-lo e reforço da solidariedade geracional. São razões suficientes para considerarmos que estes mecanismos podem ajudar a reinventar a nossa organização social.

 

CIDADANIA SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais - www.cidadaniasocial.pt

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