Fugir ao calor

Estamos tramados: chegou o turismo do fresquinho.

Lembro-me de Colares ser sossegado no Verão, mas isso já foi há tantos anos que não sei se terá sido um sonho.

Nesse tempo as pessoas queixavam-se que aqui em Sintra nunca estava calor e que o raio do nevoeiro estava feito com a nortada: um tapava o sol, enquanto a outra gelava os ossos. As nossas praias eram motivo de chacota: a Friorenta Grande, a Friorenta Pequena, a Friorenta das Maçãs e a Friorenta da Adraga. Valiam só os surfistas, devidamente protegidos só com as mãos e os pés de fora, para as poupar do abandono.

Agora é ao contrário. Pergunta-se aos forasteiros porque vieram cá parar e eles dizem logo: “Para fugir ao calor.” Estamos tramados: chegou o turismo do fresquinho.

Dantes amaldiçoava-se o capacete de neblinas que se instala nas nossas aldeias durante semanas a fio. Agora as pessoas tiram selfies e instagramam “ó para mim a passear nas nuvens”, hashtagando com todos os pormenores necessários para identificar o “paradisíaco” local, por muito top secret que seja.

A lengalenga é sempre a mesma, de telemóvel em punho: “Sabes quantos é que estão em Cascais? Trinta graus! E em Lisboa? Trinta e cinco! E em Faro? Trinta e oito! E em Castelo Branco? Quarenta! E sabes quantos estão aqui? Vinte e dois! Mentira, desceram agora mesmo para 20,5!”

É como se gabassem a altitude dos Himalaias. Quanto mais baixa a temperatura, mais os invasores se congratulam uns aos outros. “Conta lá quantos estavam na terça-feira passada, às duas da tarde, em pleno mês de Agosto?” “Dezassete! E choveu! É maravilhoso. Ninguém me tira daqui.”

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