Regresso ao futuro em Wet Hot American Summer: Ten Years Later

Dois anos depois da prequela, chega ao Netflix a sequela de Wet Hot American Summer, a comédia de culto de 2001. Falámos com David Wain, o realizador do filme original e co-criador da série.

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Adam Scott substitui Bradley Cooper, sem ter quaisquer parecenças com o actor DR
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Marguerite Moreau e Paul Rudd fazem windsurf DR
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Três dos vilões da série, pertencentes a um campo de férias rival DR
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Lake Bell ao lado de David Wain, o criador com quem o PÚBLICO falou DR

Em 2001, uma comédia gloriosamente parva sobre o último dia de um campo de férias no início dos anos 1980 foi lançada nos Estados Unidos. Quase ninguém viu Wet Hot American Summer em sala, onde fez só 255 mil euros (o orçamento era 1,5 milhões). Em Portugal, por exemplo, só chegou a DVD anos depois, com o nome O Mais Louco Verão Americano. Mas, ao longo dos anos, foi desenvolvendo um enorme culto atraído pelas piadas absurdas, as influências de filmes de adolescentes (e de campos de férias) dos anos 1980 e todo o tom inteligente, conhecedor de cada lugar-comum do género e da maneira certa de o subverter ou de gozar com ele.

Passados 14 anos, o filme deu origem a uma série da Netflix, Wet Hot American Summer: First Day of Camp, uma prequela passada no primeiro dia do campo de férias. Os actores estavam 14 anos mais velhos, mas faziam de pessoas uns dias mais novas do que eram no filme original, e, na série, dúvidas que nenhum fã alguma vez tinha tido sobre este universo e a origem de personagens eram explicadas de uma maneira desnecessária e hilariantemente complexa.

Surpreendentemente, a maioria do elenco original, hoje estrelas de algum renome com agendas bastante ocupadas, voltou. Nomes como Bradley Cooper, Elizabeth Banks, Paul Rudd ou Amy Poehler, que não eram tão conhecidos em 2001, ou sequer famosos de todo.

Agora chega a sequela, Wet Hot American Summer: Ten Years Later, uma reunião das personagens dez anos depois, algo que tinha sido combinado no primeiro filme, com piscares de olhos a comédias românticas, filmes de reuniões de amigos como Os Amigos de Alex, de Lawrence Kasdan, ou filmes do início dos anos 1990 como Vida de Solteiro, de Cameron Crowe, Slacker, de Richard Linklater, e A Mão que Embala o Berço, de Curtis Hanson. Não interessa que já tivesse havido imagens da reunião na cena pós-créditos do filme original, com as personagens estão completamente diferentes. Este universo não é assim tão dado a continuidade. Nem importa. Também há personagens que são claramente adicionadas a cenas do filme original e não estavam lá de origem. Faz parte do charme.

São, ao todo, oito episódios de 25 minutos cada, em que muito do elenco regressa, com a excepção de Cooper. A sua personagem, Ben, faz parte de um casal gay cuja história é das partes mais sinceras e menos gozonas da série (o que, segundo o co-argumentista Michael Showalter, era em si uma piada feita à custa das expectativas de quem esperava humor homofóbico). Só que o actor não conseguiu um tempinho para filmar, e é agora substituído por Adam Scott, de Parks and Recreation, que não é sequer remotamente parecido com Cooper.

Tal alteração é algo que a série explica com o facto de a personagem ter feito uma rinoplastia. É o tipo de mudança e explicação que cola e não se estranha num mundo absurdo, em que tudo pode acontecer, como uma lata de vegetais cuja voz é de H. Jon Benjamin (que, na televisão, dá vida aos protagonistas animados de Archer e Bob’s Burgers) ser um impedimento a Ronald Reagan, ajudado por George Bush, fazerem uma explosão nuclear.

Mesmo assim, o facto de Cooper ser das poucas ausências da nova série é notável. Wet Hot American Summer encontrou futuras estrelas e descobriu talento cómico em pessoas que à partida não pareciam tê-lo (Christopher Meloni, de Lei & Ordem: Unidade Especial, é sempre uma das partes mais hilariantes deste universo, com uma ousadia cómica que é única), algo que David Wain, co-criador da série, admite à conversa com o PÚBLICO através do Facebook, é um misto de “sorte” – “o Bradley [Cooper] e a Elizabeth [Banks] limitaram-se a aparecer nas audições” – e “ter directores de casting inteligentes, como a Susie Farris”.

“Claro que a maioria do nosso processo é convidarmos pessoas que conhecemos e pessoas que não conhecemos mas de que gostamos, e tentar ter uma mistura de tipos de actores diferentes”, diz. Por falar em elenco, muitos destes actores estiveram em clássicos de adolescentes de vários tipos: Paul Rudd apareceu em As Meninas de Beverly Hills, de Amy Heckerling, Samm Levine na série Freaks and Geeks (A Nova Geração, quando passou em Portugal) ou Melanie Lynskey era uma das protagonistas de Amizade Sem Limites, de Peter Jackson.

O mundo que recebeu mornamente o filme original é diferente do que agora se regozija com o lançamento de Wet Hot American Summer: Ten Years Later. O autor concorda que os dois factores de haver uma maior aceitação por parte do público desta sensibilidade cómica e, ao mesmo tempo, mais canais por onde este tipo de projectos podem sair, contribuem para que isto possa ser uma série mainstream.

Wain sabe do que está a falar. O realizador do filme original, ganha a vida a fazer comédia nesta veia algures entre o juvenil e o hiper-inteligente e sofisticado desde o início dos anos 1990, quando ele, Michael Showalter, co-argumentista do filme e co-criador da série, e alguns dos actores cómicos que dão vida às personagens deste universo, como Michael Ian Black, Joe Lo Truglio ou Ken Marino, faziam parte de The State, um programa da MTV feito pela lendária trupe de sketches com o mesmo nome. Os próprios também são actores na série: Showalter é Coop, um dos protagonistas, bem como Ronald Reagan (o próprio), enquanto David Wain faz de Yaron, uma personagem bastante secundária, e Bill Clinton (esse mesmo).

Wain, que cresceu obcecado com Saturday Night Live, Animal House (a comédia seminal de John Landis que em Portugal saiu como A República dos Cucos) e Caddyshack (O Clube dos Malandrecos), de Harold Ramis, explica que aquilo que o atraía nesses objectos – e se nota na sua obra – “era uma atitude, um sentido de diversão e de subversão”, apesar de ressalvar que é algo “difícil de definir”, e que são referências que ficaram retidas no seu “cérebro para sempre” e o “moldaram”.

Não é à toa que o próximo projecto do realizador para o Netflix, A Futile and Stupid Gesture, seja um filme sobre a National Lampoon, uma revista/instituição cómica norte-americana que deu a Saturday Night Live parte do seu elenco e argumentistas, produziu Animal House e foi donde saiu uma boa parte da equipa criativa de Caddyshack. A estreia está prevista para este ano, mas não há certezas sobre datas.

Apesar do vasto conhecimento do cânone de ficção à volta de campos de férias, a série baseia-se também nas experiências dos criadores. Foi, aliás, num desses campos que Wain conheceu Craig Wedren, vocalista da banda de indie-rock dos anos 1990 Shudder to Think, que faz as bandas sonoras da maioria dos seus projectos e, por conseguinte, os brilhantes pastiches de música da época que são um dos pontos altos deste universo (custa a crer que Higher & Higher, que anima uma montagem de treino no filme original e é uma parte importante de First Day of Camp, não existia antes).

Enquanto Showalter, que realizou a comédia romântica The Big Sick, que este ano tem feito ondas nos Estados Unidos e tem estreia marcada em Portugal para 26 de Outubro, está a fugir cada vez mais da comédia pura para algo muito mais preocupado com sentimentos, Wain continua a ter interesse em explorar em pleno a comédia. Mas ainda com ênfase na verdade e na emoção e sem nunca cair nos lugares comuns das piores paródias cómicas que existem por aí, o que explica como, por detrás da ironia e da subversão, de brincar com as expectativas com frases propositadamente carregadas de banalidade e lugares-comuns, se podem encontrar sentimentos verdadeiros. O truque para esse balanço e não cair na paródia fácil? “Confiar no instinto.”

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