O cocó é arte?

Dificilmente se considera o cocó belo, mas já nem a arte o é de modo absoluto. Portanto, o cocó pode ser arte e a arte pode ser cocó

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Bara Cross/Pexels

Segundo George Dickie, a arte é avaliada pela capacidade para produzir uma experiência de valor. É uma definição interessante, ainda que vaga e relativa. Mas Manuel João Vieira, encarnado o Candidato Vieira, tenta salvar-nos da obstipação com um vídeo alternativo sobre arte contemporânea. No fundo, a grande questão tratada no vídeo consiste em saber se “o cocó pode ser arte?”. Com o cocó como mote: o esforço de tentar reter o seu significado artístico pode aliviar estas dúvidas filosóficas.

A explicação do Candidato Vieira acaba por ser simples. O cocó é arte se várias pessoas que percebem de arte disserem que o cocó é arte. Ou seja, actualmente, basta haver um número de conhecedores de arte a defenderem que determinada coisa é arte para essa coisa ser arte. Parece que estamos a falar de tomada de decisão coletiva, de política quiçá.

Afinal a teoria vieirista estética do cocó não parece aliviar à primeira as dúvidas acumuladas tal como prometia. Mas alguma coisa há de sair nesta insistência para compreender a arte contemporânea por esta via. Talvez seja preciso um laxante intelectual para evitar o paradoxo. Se a arte se define pelo que pensam os seus próprios especialistas, então como se definem os especialistas primeiro que tudo? Um especialista em arte tem de ter formação em história de arte? Em filosofia na componente estética? Em artes plásticas na componente técnica? Tem de ser artista? Para alguém se definir como especialista terá também de esperar pelo consentimento colectivo dos outros especialistas que sabem o que é a arte? E se ninguém souber quem são? Basta que os outros acreditem que se é especialista mesmo que ninguém saiba o que é a arte?

Urge limpar e dissipar estas dúvidas o mais que pudermos. Certo é que o cocó existe porque todos o fazemos. A arte também deve existir, caso contrário não poderia estar a escrever sobre este tema. Para evitar o relativismo puro há que calçar luvas, meter uma mola no nariz e arriscar aprofundar a análise das propriedades do cocó e da arte. O cocó é plástico e pode ser produzido com uma intenção, embora tal não seja forçoso. É plástico, logo adaptável a novas formas intencionais. Mesmo gerando formas não intencionais ele pode ser lido com um propósito, tudo depende do receptor. É difícil de ignorar o seu cheiro, mesmo que não se veja, invocando inevitavelmente os múltiplos sentidos que lhe definem qualidades. A arte também é útil como expressão da condição humana, ao servir para expulsar sentimentos que nos atormentam, qual cocó duplamente útil e prazeroso. A arte pode mobilizar indivíduos e grupos, quer pelo alívio e prazer que produz quer pela repulsa que incita à acção. Pegando no que dizia Dickie, sou levado a concluir que a arte e o cocó podem produzir experiências de valor, positivas ou negativas.

Dificilmente se considera o cocó belo, mas já nem a arte o é de modo absoluto. Portanto, o cocó pode ser arte e a arte pode ser cocó. Mas isto só fará sentido se algum especialista de arte concordar com isto. Pelo menos o Candidato Vieira já disse o que achava. Se há algo que afasta o cocó da arte é que o cocó é muito mais fácil de identificar.

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