Deputados brasileiros decidem se Temer será julgado por corrupção

É pouco provável que oposição a Temer reúna maioria de dois terços para aceitar a denúncia feita pelo procurador-geral. Maioria do eleitorado queria ver o Presidente julgado.

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Michel Temer acredita que irá conseguir evitar o julgamento no Supremo Tribunal Federal EPA/Joedson Alves

A Câmara dos Deputados reúne esta quarta-feira para decidir se aceita a denúncia contra o Presidente do Brasil, Michel Temer, suspeito de corrupção no âmbito da Operação Lava Jato. Depois de semanas de intenso trabalho de bastidores, a posição de Temer parece estar segura, mas a instabilidade não deverá abandonar o Palácio do Planalto.

Mais do que uma questão jurídica, o que está em jogo esta quarta-feira é sobretudo uma questão aritmética. Para que a Câmara aceite a denúncia apresentada no final de Junho pelo procurador-geral, Rodrigo Janot, contra Temer – permitindo, desta forma, que o Presidente seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal – é necessário o apoio de uma maioria de dois terços dos deputados (342 dos 513 totais) a esse desfecho, que implicaria o seu imediato afastamento do cargo, por um período máximo de 180 dias. O Governo conta com uma base ampla no hemiciclo, de mais de 180 deputados, facilmente derrubando os esforços da oposição.

Janot apresentou uma denúncia junto do Supremo Tribunal Federal contra Temer depois de, em Março, o Presidente ter sido gravado a aceitar um suborno de 500 mil reais (140 mil euros) dos donos da JBS, uma das maiores exportadoras de carne do mundo, a troco de uma decisão favorável. Na mesma conversa gravada, Temer pede também para que seja mantido um pagamento ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, para que este mantenha o seu silêncio nos interrogatórios da Lava Jato.

Um prelúdio positivo para Temer foi o chumbo do relatório da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Congresso, que defendia a abertura do processo contra o Presidente, por uma ampla maioria dos deputados que constituem a comissão. O parecer foi rejeitado por 40 parlamentares, contra apenas 25 que votaram a favor. Uma das estratégias para assegurar o chumbo passou pela substituição de alguns deputados do PMDB, o partido de Temer, por suplentes mais fiéis ao Presidente.

Jogadas como esta são agora replicadas para a votação no plenário da Câmara. Nas últimas semanas, Temer e o seu círculo próximo desdobraram-se em reuniões, almoços e telefonemas para convencer deputados das várias bancadas a apoiar o Governo e impedir o julgamento do Presidente. O problema para o Planalto são os cerca de 200 indecisos, segundo cálculos feitos pela imprensa brasileira, que ainda não manifestaram sentido de voto.

Jantares e folgas orçamentais

É nesta lógica que têm sido interpretadas as autorizações às revisões orçamentais apresentadas por três ministros do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), parceiro de coligação, como forma de assegurar apoios nesta bancada. As revisões aprovadas ascendem a 19,2 milhões de reais (mais de cinco milhões de euros), segundo o jornal Estadão, e contrariam a política de austeridade orçamental que o Governo tinha assumido.

O PSDB, que conta com uma bancada de 46 deputados, é vital para a estratégia de Temer. Apesar de formalmente apoiar o Governo, os “tucanos” estão divididos nesta matéria. Algumas estimativas apontam para que entre 20 e 30 parlamentares possam votar a favor da abertura do processo contra o Presidente.

Com a aproximação de um ano eleitoral, os deputados enfrentam um dilema. “De um lado, estão os que tendem a afastar-se, que avaliam se vale a pena associar a sua imagem a um Governo que está com o prestígio quase abaixo de zero”, explica à BBC a professora de Ciência Política da USP, Maria Hermínia Tavares. “Por outro lado, há aqueles que entendem que, para ganhar as eleições, é interessante aliar-se ao PMDB”, acrescenta. No sábado, Temer jantou com o líder tucano, o senador Aécio Neves, também ele na mira da justiça depois de ter sido gravado a pedir dinheiro a um empresário, como parte dos esforços para conquistar deputados do PSDB.

Mesmo com potenciais traições nas bancadas pró-governamentais, é muito improvável que os defensores da acusação contra Temer consigam averbar os dois terços necessários.

O objectivo de Temer é resolver o assunto já esta quarta-feira e, para isso, é preciso assegurar a comparência de pelo menos metade dos deputados para que se verifique quórum para a votação ser válida. A menos de 24 horas da sessão, a equipa do Presidente intensificava os contactos até junto de deputados que se manifestaram a favor da denúncia, escrevia a Folha de São Paulo.

Uma das apostas da oposição é evitar o cumprimento de quórum, de forma a adiar a sessão e manter Temer envolvido no caso durante mais tempo. Porém, caso a sessão vá em frente, a prioridade deverá passar pelo desgaste político das bancadas aliadas de Temer. “Se houver quórum para votar, nós poderemos ver quem são os deputados da base [aliada] favoráveis ao afastamento”, disse ao El País o líder da bancada do Partido dos Trabalhadores, Carlos Zarattini.

Uma das questões mais importantes é a forma como irá decorrer a votação. Uma das batalhas da oposição é que seja aprovada a obrigatoriedade de cada deputado justificar o seu sentido de voto. Muitos dos parlamentares que esta quarta-feira vão tentar impedir Temer de ser julgado por suspeitas de corrupção são os mesmos que há pouco mais de um ano autorizaram a abertura de um processo de destituição contra a Presidente Dilma Rousseff, em nome da decência da vida política. É essa posição de difícil justificação que os deputados da oposição querem explorar.

Entre o eleitorado há uma grande vontade em ver Temer julgado. Segundo uma sondagem do Ibope, 81% dos inquiridos diz ser a favor da abertura de um processo contra o Presidente e um número semelhante encara os deputados que votem contra a denúncia como “cúmplices de corrupção”.

Mas as preocupações para Temer não acabam esta quarta-feira. A mega-investigação da Lava-Jato traz novos desenvolvimentos todos os dias e a imprensa brasileira dá como quase certo que Janot apresente novas denúncias contra o Presidente nos próximos tempos.

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