Gestação de substituição vai ser possível a partir de terça-feira, quase um ano depois de lei ter sido aprovada

Ao contrário do que acontece noutros países, a gestante de substituição não pode receber qualquer pagamento por isso. Apenas pode ser ressarcida das despesas médicas e tem acompanhamento psicológico garantido antes e depois do parto.

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Joao Silva

Quase um ano depois de a lei ter sido aprovada, a gestação de substituição passa finalmente a ser possível a partir desta terça-feira. Permitida apenas em situações excepcionais, como o de uma mulher sem útero ou com uma lesão ou doença que impeça a gravidez, a gestação de substituição tem regras estritas em Portugal e os contratos vão ser supervisionados pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA).

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Quase um ano depois de a lei ter sido aprovada, a gestação de substituição passa finalmente a ser possível a partir desta terça-feira. Permitida apenas em situações excepcionais, como o de uma mulher sem útero ou com uma lesão ou doença que impeça a gravidez, a gestação de substituição tem regras estritas em Portugal e os contratos vão ser supervisionados pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA).

Os candidatos terão de pedir autorização prévia ao CNPMA e devem ter um parecer favorável de um psiquiatra ou psicólogo, prevê a regulamentação que faltava para que a legislação entrasse em vigor. O decreto foi publicado nesta segunda-feira em Diário da República e entra em vigor na terça-feira.

Ao contrário do que acontece noutros países – e por isso não é correcto falar-se em Portugal em “barrigas de aluguer” –, a gestante de substituição não pode receber qualquer pagamento por isso. Apenas pode ser ressarcida das despesas médicas e tem acompanhamento psicológico garantido antes e depois do parto.

De resto, a sua relação com a criança deve circunscrever-se “ao mínimo indispensável, pelos potenciais riscos psicológicos e afectivos que essa relação comporta”, refere o decreto.

O recurso a esta novo possibilidade, segundo a legislação, “só é possível a título excepcional e com natureza gratuita, nos casos de ausência de útero e de lesão ou doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez da mulher ou em situações clínicas que o justifiquem”.  

Os candidatos vão ter de celebrar contratos de gestação de substituição e efectuar pedidos de autorização prévia ao CNPMA, através de formulário disponível no respectivo sítio da Internet. Do processo têm de constar declarações favoráveis de um psiquiatra ou psicólogo e do director  do cento de PMA onde as técnicas necessárias à concretização da gestação vão ter lugar. O CNPMA tem 60 dias para se pronunciar.

Se o pedido for admitido, é solicitado um parecer à Ordem dos Médicos (não vinculativo), que tem igualmente 60 dias para o apresentar.

O CNPMA deve de seguida decidir se autoriza ou rejeita a celebração do contrato também no prazo máximo de 60 dias e pode solicitar “a realização de uma avaliação completa e independente do casal beneficiário e da gestante de substituição, por uma equipa técnica e multidisciplinar, designadamente na área da saúde materna e da saúde mental”, refere o decreto regulamentar.

Do contrato devem constar as obrigações de ambas as partes. A gestante de substituição tem de cumprir as orientações médicas do obstetra que segue a gravidez e efectuar os exames e actos terapêuticos considerados indispensáveis, mas pode recusar-se fazer determinados exames de diagnóstico, como a amniocentese.

O contrato pode ser denunciado por ambas as partes, caso se verifique um determinado número de tentativas de gravidez falhadas.

Primeiro veto de Marcelo

O processo legislativo da gestação de substituição desencadeou muita controvérsia. Dois pareceres críticos do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) e primeiro veto do Presidente da República. No primeiro parecer negativo, em Março de 2016,  o CNECV contestou a proposta de decreto-lei então apresentada pelo Bloco de Esquerda, considerando que não estavam “salvaguardados os direitos da criança a nascer e da mulher gestante”, nem era “feito o enquadramento adequado do contrato de gestação”.

Foi este entendimento que deu origem ao primeiro veto do Presidente da República, em 7 de Junho. Marcelo Rebelo de Sousa justificou a devolução do diploma ao Parlamento, alegando lacunas legais que podiam desproteger a criança ou provocar conflitos entre os pais e gestante. A lei tinha sido aprovada em 13 de Maio na Assembleia da República, com os votos do PS, BE, PEV e PAN e 24 deputados do PSD.

A versão final foi aprovada em Julho de 2016 e publicada no mês seguinte, explicando que a possibilidade de recorrer a uma gestação de substituição está prevista nos casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez.

No segundo parecer crítico, o CNECV considerava que o projecto limitava muito as mulheres que podiam ser barrigas de aluguer, ao definir que “preferencialmente” a gestante deve já ter tido um filho e ao dizer que as beneficiárias não devem ter mais do que 49 anos e 364 dias, sem estabelecer um mesmo limite para o homem que será pai, “o que será tanto mais relevante se os gâmetas usados deles provierem”.