Presidente do Conselho Metropolitano do Porto defende rever impostos para financiar municípios

Para Emídio Sousa, o modelo de descentralização, fruto de aceso debate nos últimos quatro anos, “vai continuar a ser uma luta no próximo mandato”.

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Manuel Roberto

Sem rever as finanças locais, “é impossível” os municípios assumirem competências no âmbito da descentralização, afirma o presidente do Conselho Metropolitano do Porto, que contesta a eleição directa daquele órgão, “porque o país não precisa de mais políticos profissionais”.

Numa entrevista à Lusa, em jeito de balanço de mandato do Conselho Metropolitano do Porto (CmP), órgão a que preside desde Janeiro (após a renúncia de Hermínio Loureiro), Emídio Sousa, também presidente da Câmara de Santa Maria da Feira, alerta ser preciso definir “quanto custa” cada uma das competências que o Governo planeia transferir para as autarquias e dotá-las das verbas necessárias, através de uma “distribuição diferente” dos actuais impostos.

Quanto ao modelo de eleição das futuras autarquias metropolitanas, não dá o assunto por encerrado: já transmitiu ao primeiro-ministro a inexistência de consenso entre os 17 autarcas da Área Metropolitana do Porto (AMP) e defende o actual modelo, de um presidente de câmara escolhido pelos seus pares, porque “o país não precisa de mais despesas com políticos” nem de “mais uma eleição”.

“Não é preciso consenso, é o legislador que decide [o modelo político das futuras autarquias metropolitanas, relativamente ao qual a última versão do Governo aponta para uma eleição por sufrágio universal, a aplicar nas autárquicas de 2021]. Já transmiti ao primeiro-ministro: não há consenso [na AMP], nem tem que haver, são opções políticas. A opção do Governo é mais uma eleição, mais um executivo, mais uma assembleia, mais um conjunto de órgãos decisórios. Acho que o país não precisa de mais despesa com políticos”, vincou.

Para Emídio Sousa, o presidente das áreas metropolitanas “deve ser escolhido pelos pares”, porque é essa a melhor forma de “conciliar os interesses de todos”. De acordo com o presidente do CmP, manter o actual modelo do CmP não é uma “hipótese posta de parte”.

“Os autarcas da AMP já disseram e eu já disse ao Governo que havia diferentes posições. Não acho que o país precise de mais políticos profissionais, de mais eleições. Prefiro que melhoremos o nosso sistema democrático e de poder local”, disse. Assim, para Emídio Sousa, o modelo de descentralização, fruto de aceso debate nos últimos quatro anos, “vai continuar a ser uma luta no próximo mandato”, saído das autárquicas de Outubro.

Definir as verbas a transferir para os municípios, com vista à gestão de cada uma das competências que o Governo pretende que assumam, é uma prioridade.

“Sei que a descentralização é a vontade do primeiro-ministro, mas é preciso concretizar. O processo tem sido conduzido de maneira muito pouco técnica. Começa logo na questão financeira: não é possível fazer uma descentralização sem sabermos quanto é que ela custa. Se o Estado deixa de gastar, então que transfira as verbas para os municípios”.

O autarca defende a “revisão das finanças locais” como “componente absolutamente prioritária”. “Temos de saber quanto vamos precisar para as novas competências e a verba deve vir através dos impostos existentes. Sou contra novos impostos, mas deve haver distribuição diferente dos existentes”, esclareceu.

Questionado sobre se em 2021 os autarcas estarão preparados para o processo, o presidente do CmP diz que estão prontos para avançar “já amanhã”, mas “é preciso é ter dinheiro para pagar as despesas”.

Destacou ainda a “absoluta estupefacção” por ter constatado que a TAP “tinha apresentado plano estratégico para próximos dez anos”, sem o CmP, ou qualquer um dos seus autarcas, ter “conhecimento ou ter sido consultado”. “Tendo em conta que se trata de uma empresa com 50% de capitais públicos, acho inadmissível. Para que temos uma empresa pública se não temos direito a saber nada dos seus planos?”, questionou.

Fixar EMA no Porto seria “a melhor forma” de UE trabalhar coesão

O presidente do CmP considerou ainda que a aprovação da candidatura do Porto à sede da Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em inglês) é a “melhor forma” de a União Europeia (UE) trabalhar a coesão no seu território.

“A melhor forma da UE trabalhar a coesão europeia é ir às regiões periféricas e dar-lhes actividades que façam subir o seu nível de vida. Acho que este é um dos grandes argumentos que podem ser usados na defesa da candidatura do Porto à EMA”, destacou.

Notando que a zona Norte de Portugal “é uma das mais pobres da UE”, Emídio Sousa considera “tão ou mais importante do que os fundos de coesão” transferir “alguns serviços que acrescentem verdadeiro desenvolvimento económico” para as zonas menos desenvolvidas da UE, sendo por isso importante fixar no Porto a sede da EMA, que deve abandonar Londres com a saída do Reino Unido da UE.

Para o presidente do CmP, conseguir que Portugal candidatasse o Porto à sede da EMA (em vez de Lisboa) é um dos aspectos mais importantes do mandato, mesmo sendo “apenas uma candidatura”.

“A probabilidade de sermos indicados é de 6% ou 7%. É baixa. Espero que o Governo se empenhe seriamente para que a agência venha para o Porto e que não seja verdade o que se diz, de que o Porto só foi escolhido porque haveria acordo entre a Alemanha e a França para [a EMA] ficar em Nice”, observou, avisando que ficará “extremamente defraudado e desagradado” se não houver esse “grande empenhamento do Governo e de Portugal”.

De acordo com Emídio Sousa, também dentro da Área Metropolitana do Porto (AMP) é necessária uma “visão diferente do território”, fruto da integração de municípios do Sul (Santa Maria da Feira, Oliveira de Azeméis, Arouca e Vale de Cambra, por exemplo).

“Tem de haver um novo olhar para esta nova realidade da componente-sul da AMP, até porque estamos a falar de um eixo industrial muito forte. Se somarmos Vila Nova de Gaia, são 600 a 700 mil habitantes e esta área não tem uma linha ferroviária a ligá-la às principais linhas do Norte, nem uma ligação ferroviária de todos os municípios ao aeroporto”, lamentou.

Relativamente à gestão dos fundos comunitários, muito abordada nos últimos quatro anos pelo CmP, Emídio Sousa diz estar de acordo com a proposta que integra o compromisso metropolitano assinado pelos 17 candidatos do PS às eleições autárquicas de outubro, de criar uma agência da AMP em Bruxelas, junto da Comissão Europeia, para uma melhor gestão e distribuição das verbas.

“Vejo com agrado [a proposta]. Estive em Fevereiro em Bruxelas numa reunião (…) e fiz essa reivindicação. A AMP precisa de ter lóbi em Bruxelas. Vejo com agrado que o PS defenda o que já apresentei”, afirmou.

Outro dos assuntos “absolutamente fundamentais para o futuro da AMP” foi ter avançado para “um estudo sobre a mobilidade” com vista a um “próximo passo, muito urgente”, de “definir um plano geral de transportes que compatibilize os diferentes modos de transporte, os interfaces, a ligação de todos os municípios ao aeroporto”, descreveu.

Na sua perspectiva, serão sempre precisos “um ou dois anos” para concluir o processo, pois a par dos prazos da contratação pública, o trabalho “implicará muita negociação e articulação entre municípios”, ao mesmo tempo que obriga a compatibilizar projectos futuros “com o que existe”. “Mas tem de ser fazer, porque quanto mais adiarmos mais tarde se torna”, frisou.

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