Paquistão: Nawaz Sharif voltou a cair, agora aos pés da justiça

É a terceira vez que Nawaz Sharif é forçado a deixar a chefia do Governo. O Supremo Tribunal acusou-o de esconder rendimentos. Governo fala em "facada nas costas da democracia".

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Apoiantes de Nawaz Sharif protestam nas ruas Mohsin Raza/REUTERS

O primeiro-ministro paquistanês, Nawaz Sharif, apresentou esta sexta-feira a demissão na sequência de uma sentença inédita do Supremo Tribunal de Justiça, que o declarou “inelegível” durante dez anos por ter ocultado rendimentos já depois de estar no cargo. A instabilidade política não é estranha no Paquistão, mas é a primeira vez que uma decisão judicial provoca a queda do chefe do Governo.

O Paquistão viveu meses de grande expectativa enquanto aguardava pela sentença do Supremo Tribunal, que desde Novembro se concentrou nos rendimentos da família Sharif. Os primeiros indícios foram revelados em Abril do ano passado, no âmbito da mega-investigação conhecida como Panama Papers e apontavam para a utilização de paraísos fiscais pelos filhos de Nawaz Sharif.

As revelações passaram a dominar o debate político e reacenderam as tensões entre o Governo e a oposição, liderada pela carismática antiga estrela de críquete, Imran Khan. O líder do Movimento para a Justiça exigiu uma investigação independente e ameaçou liderar uma revolta popular nas ruas caso o assunto fosse ignorado. Depois de meses de avanços e recuos, em Novembro, o Supremo debruçou-se finalmente sobre o caso.

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Os partidos da oposição celebraram o afastamento de Sharif como uma vitória Akhtar Soomro/REUTERS

Em Abril, o painel de juízes decidiu por uma curta margem (3-2) que não havia indícios suficientes para ditar o afastamento de Sharif, mas não abandonou o caso. Foi montada uma equipa especial de investigação que integrou alguns membros da poderosa agência militar de serviços secretos, os ISI. Mas não foi a série de ligações suspeitas da família a paraísos fiscais em que todos apostavam que acabou por ser selar o destino de Sharif.

 

Imran Khan à espreita

Os investigadores conseguiram provar em tribunal que Nawaz Sharif não declarou os rendimentos que auferiu entre 2006 e 2014, enquanto foi director-executivo de uma empresa com sede no Dubai – o período abarca ainda um ano em que Sharif era já primeiro-ministro.

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O líder da oposição Imran Khan é que pode beneficiar mais com a demissão forçada de Sharif Faisal Mahmood/REUTERS

A defesa do primeiro-ministro argumentou que o cargo servia apenas para que obtivesse um visto de trabalho durante os anos em que esteve exilado nos Emirados Árabes Unidos. Porém, a lei laboral do país do Golfo Pérsico obriga a que seja obrigatório auferir um salário para ter acesso ao visto, pelo que Sharif obteve rendimentos não declarados, explica o jornal paquistanês The Dawn.

Não houve margem para dúvidas e o painel de cinco juízes do Supremo Tribunal determinou por unanimidade que Sharif teria de abandonar o cargo. “Ele não é mais elegível para continuar a ser um membro honesto do Parlamente e deixa de ter o cargo de primeiro-ministro”, afirmou o juiz Ejaz Afzal Khan. Os juízes utilizaram o artigo 62.º da Constituição – raramente invocado – que permite o afastamento de qualquer deputado que tenha tido um comportamento desonesto.

Apesar da influência dos tribunais na vida política paquistanesa, esta é a primeira vez desde a independência em 1947 que uma decisão judicial determina directamente a demissão de um chefe de Governo.

Imran Khan à espreita

A decisão do Supremo é uma vitória da oposição e especialmente para Imran Khan, que encabeçou a luta por uma “limpeza” do establishment político nacional. “Hoje é um dia de vitória para o Paquistão, daqui para a frente os grandes ladrões serão apanhados”, afirmou o antigo capitão da selecção nacional de críquete, perante um grupo de apoiantes que celebrava a demissão de Sharif. Porém, o próprio Khan está a ser investigado por causa de suspeitas que ele também possa ter ocultado rendimentos.

Para os apoiantes de Sharif, a decisão do Supremo Tribunal trata-se de um caso de abuso de poder. “Aqueles que estão hoje contentes e a dançar irão chorar amanhã. Eles deram uma facada nas costas da democracia”, afirmou o ministro-adjunto Abid Sher Ali.

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Advogados vêem as notícias do afastamento de Sharif:

Outros responsáveis do executivo encaram a sentença como parte do jogo de sombras a que muitas vezes se resume a política do Paquistão. “Sabemos muito bem qual é o crime de Nawaz Sharif e da Liga Muçulmana. O que é que pedimos? Pedimos supremacia civil no Paquistão”, disse o ministro do Transporte Ferroviário, Khawaja Saad Rafiq, durante uma conferência de imprensa. “Subimos com os votos dos eleitores e somos humilhados e afastados e acabamos nas prisões”, acrescentou.

O Exército outra vez

As palavras de Rafiq apontam para a tese de que as Forças Armadas terão estado por trás do afastamento de Sharif – algo que não seria inédito. Os dois mandatos anteriores de Sharif foram interrompidos pela acção dos militares. Em 1993, foi a pressão da liderança das Forças Armadas que o obrigou a negociar a sua saída e, em 1999, foi o general Pervez Murrashaf, então chefe do Estado-maior, que liderou um golpe para derrubar o Governo, instaurando um regime autoritário que durou até 2008. Em 2013, regressou ao Paquistão para se recandidatar à presidência, e foi detido e acusado de responsabilidade na morte da ex-primeira ministra Benazir Bhutto, por não ter feito o suficiente para a proteger (foi assassinada pelos taliban em Dezembro de 2007).

Na origem das más relações entre Sharif e os militares está a tentativa do ex-primeiro-ministro em tentar aproximar-se da Índia, rival histórico do Paquistão. “Nos últimos quatro anos houve uma acomodação apreensiva entre o Exército e Sharif”, escrevia antes da sentença o especialista do Instituto Brookings, Bruce Riedel. “Não há qualquer dúvida de que o Exército iria gostar de ver a administração civil enfraquecida e o seu antigo inimigo afastado”, acrescenta. A presença de elementos dos serviços de informação, muito próximos dos militares, na comissão de investigação instituída pelo Supremo Tribunal mostra a influência deste sector no processo de saída de Sharif.

Esperam-se meses de incerteza no Paquistão. O Governo deve nomear um primeiro-ministro interino para chefiar o executivo até às eleições legislativas, marcadas para daqui a um ano. A grande dúvida é o que acontecerá à Liga Muçulmana de Sharif, que enfrenta agora um desafio enorme para recuperar a credibilidade.

O partido está muito ligado à família do ex-primeiro-ministro e é provável que assim continue. A imprensa dá como provável que seja o irmão mais novo de Sharif, Sehbaz, a assumir a liderança, tendo a seu favor a grande popularidade que detém no Punjab, onde é ministro-chefe. 

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