“Virão tempos melhores”, diz um esqueleto para o outro

A Escola da Noite volta a Javier Tomeo para assinalar os 25 anos de existência. Histórias Perversas tem antestreia nesta quarta e quinta-feira e volta em Setembro.

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Histórias Perversas, com encenação de António Augusto Barros Eduardo Pinto
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Eduardo Pinto

Os três actores multiplicam-se num caleidoscópio de personagens improváveis que habitam uma estrutura que se assemelha ao interior de uma câmara fotográfica. Desde sujeitos comuns em circunstâncias extremas a seres absurdos em situações de lógica invertida. Um capitão desertor que ouve Boris Vian, um espião disfarçado de acrobata, um leão sem dentes, dois esqueletos optimistas crentes no regresso à carne, um mordomo míope, dispensado por conta da sua condição.

A Escola da Noite pegou em textos breves do escritor espanhol Javier Tomeo para os levar ao palco e assinalar os 25 anos do seu nascimento como companhia profissional de teatro. Histórias Perversas, com encenação de António Augusto Barros, tem duas antestreias marcadas (esta quarta-feira e quinta-feira), no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra, e regressa em Setembro.

Tomeo, que morreu em 2013, não era dramaturgo, mas os seus textos, descreve o também director artístico da Escola da Noite, “têm muita teatralidade” e diálogo. O guião parte de uma selecção de textos tanto limitada à exequibilidade em palco como aos três actores que a companhia tem no momento.

No palco está montada uma “maquineta”, como lhe chama António Augusto Barros. É como se a acção decorresse por dentro dos foles de uma máquina fotográfica antiga, dispersa em cinco planos que se vão afastando do espectador. O cenário dá assim um efeito cinematográfico às histórias perversas. “É uma forma de dar a ver Tomeo. Uma forma de interpretar, de poder encadear os textos”, explica Barros. A ideia, conta, partiu-lhe do conto do assassino no cinema, que integra a peça, em que o vilão rompe a quarta parede, sai da tela e vai ter com o espectador.

 “O universo do cinema está muito presente nas histórias que ele conta”, diz. Quando Tomeo morreu, o El País referia nomes que iam de Goya a Poe, ou de Kafka a Buñuel para lhe tentar enquadrar o trabalho num género. Embora conceda que o autor espanhol tem um certo diálogo com o absurdo e com o surrealismo, Barros considera que o tipo de escrita e o estilo de escrita “são inclassificáveis. O absurdo é o parente mais próximo, mas não satisfaz”.

É também possível levar Tomeo para fora do palco, refere o encenador. O exemplo de um mordomo míope que é despedido por já não conseguir desempenhar a sua função é “um anacronismo que nos coloca perante a relação neo-liberal de hoje, em que as pessoas são chutadas quando não têm mais préstimo, ou quando têm pouco préstimo e podem ser substituídas com vantagem por outras”. Histórias Perversas volta a subir ao palco a 14 de Setembro em Coimbra, onde fica em cena até 30 de Setembro.

25 anos de companhia

Javier Tomeo é um regresso a casa. Foi a partir de textos do autor espanhol que a companhia estreou a sua primeira peça, Amado Monstro, em 1992. Em relação ao momento actual, António Augusto Barros não traça um cenário propriamente optimista: “nunca pensei, passados 25 anos, estarmos reduzidos ao mínimo, uma estrutura que tem menos de metade daquilo que deveria ter”. Na companhia trabalham actualmente nove pessoas.

“As condições agora são muito piores” do que os anos em que a Escola da Noite (EdN) deu os primeiros passos. “Houve uma conjuntura especial”, reconhece. Coimbra foi a capital nacional do teatro em 1992 e a EdN foi “apoiada ao melhor nível”. Passados dois anos houve logo “um corte grande. Fomos aguentando estes anos até esta crise de 2012, que não há nada semelhante”.

António Augusto Barros assegura que a companhia está “em modo de sobrevivência”, tal como outros projectos que “que estão a atrofiar, sem meios para chegar ao público, para anunciar, para publicitar; sem dinheiro para construir, para contratar pessoas”.

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